Vida e morte de Antônio
Conselheiro
1830 – Nasce Antônio Vicente Mendes
Maciel, no dia 13 de março de 1830, na Vila de Quixeramobim, interior do Ceará;
então um pequeno povoado perdido em meio à caatinga do sertão central da
paupérrima província do “Ceará Grande”. Desde o início da vida, seus pais
queriam que Antônio seguisse a carreira sacerdotal, pois entrar para o clero
era naquela época uma das poucas “brechas” que os pobres teriam para ascender
socialmente. Com a morte de sua mãe, em 1836, a meta de transformar Antônio
Vicente em padre vai por água a baixo. Seu pai casa-se novamente; há registros
de que a madrasta espancava e maltratava o menino severamente.
1855 – Morre o pai de Antônio, e ele
é obrigado a abandonar os estudos e assumir o comércio da família aos 25 anos
de idade; malogram de vez quaisquer sonhos sacerdotais. Estes negócios não vão
nada bem (mais tarde Antônio será processado devido a não quitação de suas
dívidas). Suspeita-se que o jovem Vicente já naquela época promoveria caridade
e socorro aos desamparados com os bens da família.
1857 – Antônio casa-se com Brasilina
Laurentina de Lima, fogosa e bela jovem filha de um tio do mesmo. No ano
seguinte, o jovem casal muda-se para Sobral; quando Antônio Vicente passa a
viver como professor do primário, dando aulas para os filhos dos comerciantes e
fazendeiros da região, ou como advogado prático, defendendo os pobres e
desvalidos a título de pequena remuneração. Passa a mudar-se constantemente, em
busca melhores mercados para seus ofícios; primeiro vai para Campo Grande
(atual Guaraciaba do Norte), depois Santa Quitéria e finalmente Ipu, então um
pequeno povoado localizado bem na divisa entre os sertões pecuaristas e a
fértil Serra da Ibiapaba.
1861 - Flagra
a sua mulher em traição conjugal com um sargento de polícia em sua residência
na Vila do Ipu Grande. Envergonhado, humilhado e abatido, abandona o Ipu e vai
procurar abrigo nos sertões do Cariri; iniciando uma vida de peregrinações
pelos sertões do nordeste. A traição da esposa parece que foi o desencadeador
de uma mudança de vida para Antônio Vicente Mendes Maciel. Por sua beleza
poética, cito aqui trecho de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha: “... foge-lhe a mulher, em Ipu, raptada por
um policial (...). Fulminado de vergonha, o infeliz procura o recesso dos
sertões, (...) onde lhe não sabiam o nome (...). Prossegue (...) na direção do
Crato. E desaparece... Morrera por assim dizer.
...E
surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até os ombros, barba
inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso, dentro de um
hábito azul de brim americano; (...) ao clássico bastão, em que se apoia o
passo tardo dos peregrinos...”. (pág.
86).
1876
– Antônio Conselheiro é preso nos sertões da Bahia, pois sua ação
evangelizadora revolta ao clero e aos donos de fazendas, que não veem com bons
olhos tantos desocupados e penitentes a ”vagabundear pelos sertões”, seguindo
um “embusteiro insano”; acusam-no de “assassinar a esposa e a própria mãe”, por
ocasião da descoberta do adultério, no Ipu, anos antes. Para provar que se
trata de um farsante, a polícia faz questão de humilhá-lo: com os punhos
amarrados a sela de um cavalo, Antônio é obrigado a acompanhar a tropa por
quilômetros, andando a pé, sobre um sol abrasador, sem receber água ou comida,
e sendo supliciado publicamente. Tal gesto apenas reforçou a áurea de santidade
que já existia em torno de seu nome. Remetido para a cidade de Sobral, para
sofrer julgamento de seus crimes, Antônio é libertado. O motivo? A esposa,
Brasilina encontrava-se vivinha da silva, sendo prostituta na zona do baixo
meretrício da cidade; e a mãe morrera quando Antônio tinha apenas seis anos de
idade. Tal como ele havia previsto para seus seguidores, meses depois o
peregrino retornou triunfante ao mesmo sertão do qual saíra humilhado e
supliciado.
1877 - Neste ano o
Nordeste do Brasil conhece uma das mais calamitosas secas de sua história;
levas de flagelados perambulam famintos pelas estradas em busca de socorro
governamental ou de ajuda divina; bandos armados de criminosos e flagelados
promovem justiça social “com as próprias mãos” assaltando fazendas e pequenos
lugarejos, pois pela ética dos desesperados “roubar para matar a fome não é
crime”. É neste momento que a figura do penitente de Quixeramobim ganha
notoriedade entre os sertanejos pobres; para estes, Antônio Conselheiro, ou o
“Bom Jesus”, como também passou a ser chamado, seria uma figura santa; um
profeta enviado por “Deus” para socorrê-los no “fim do mundo”: “A sua entrada nos povoados, seguida pela
multidão contrita, em silêncio, (...) era solene e impressionadora (...); e
durante alguns dias, eclipsando as autoridades locais, o penitente errante e
humilde monopolizava o mando, fazia-se autoridade única.” (pág.
89)., diz-nos ainda Euclides de Cunha.
Em
sua peregrinação pelos sertões é ele acompanhado por grande número de penitentes.
Muitas fazendas são abandonadas pelos trabalhadores agregados; em muitos
povoados a população deixa as preces dos vigários católicos para seguirem os
ensinamentos do “Bom Jesus Conselheiro”. Isso irrita o clero, os fazendeiros e
as autoridades.
1888 – Fim da escravidão; muitos
ex-escravos, agora livres, partem em busca de Conselheiro acreditando que com
ele estariam melhores do que nas terras dos fazendeiros tradicionais.
1889
– Cai a monarquia nacional e instala-se a República; nasce aí o casamento
civil, o registro civil e ocorre a separação definitiva entre a igreja e o
Estado. O novo governo, sedento de realizações, autoriza as Câmaras de
vereadores a cobrarem impostos dos feirantes e pequenos lavradores pobres em
todo o país; isso inviabiliza a sobrevivência dos pequenos feirantes, pois o
imposto é cobrado por dia de exposição, independentemente de ser vendido ou
não. Para Conselheiro e seus seguidores, apenas um governo “abençoado pela
Santa igreja” teria legitimidade. Daí porque ele e seus adeptos destruíram as
tabuletas da cobrança de impostos em Bom Conselho.
1893
– Cansado de tanto peregrinar pelos sertões e agora sendo um “fora da
lei”, Conselheiro decide se fixar numa fazenda abandonada às margens do rio
Vaza Barris. Nasce ali uma experiência extraordinária: em Belo Monte (ou
Canudos, como ficou mais conhecida), os desabrigados do sertão e as vítimas da
seca eram recebidas de braços abertos pelo peregrino; lá todos comiam, bebiam e
trabalhavam sem sofrer as agruras dos capatazes das fazendas tradicionais. Era
uma comunidade igualitária, “um lugar santo”, segundo os seus adeptos, em que
os recém instalados recebiam comida, água, uma pequena roça e uma casinha de
taipa para morarem. Em canudos os famintos encontravam a ajuda e a assistência
que não encontravam no restante do nordeste.
1896 – Ocorre o episódio que
desencadeia a Guerra de Canudos: em 24 de novembro deste ano, é enviada a
primeira expedição militar contra Canudos, mas a tropa é massacrada em Uauá,
pelos “fanáticos” de Antônio Conselheiro. 29 de dezembro de 1896, tem início a
segunda expedição militar contra Canudos. Assim como a primeira, esta expedição
fora facilmente debelada pelos Conselheiristas.
1897 – Tem início a terceira
expedição contra Canudos; Comandada pelo Capitão Antônio Moreira César,
conhecido como “o Corta-Cabeças”, por suas façanhas “heroicas” na Guerra
dos Farrapos, no Rio Grande do Sul. Mas, acostumado aos combates
tradicionais, Moreira César não estava preparado para eliminar Canudos; graças
a seus erros, os conselheiristas foram abastecidos por grande quantidade de
armas e munições. Por fim, envergonhado pela primeira derrota humilhante, o
próprio Moreira César fora abatido pelos jagunços de Canudos.
05 de
abril de 1897, tem início aí a quarta e última expedição contra Canudos; desta vez o
cerco fora implacável; não foram poupados nem os que se rendiam; eliminar
Canudos e seus “fanáticos habitantes” tornou-se uma questão de honra para o
exército. Mesmo os que se rendiam eram covardemente executados.
22 de
outubro de 1897 morre Antônio Conselheiro, vítima de ferimentos causados por uma granada,
tendo também contraído diarreia. Canudos é destruída totalmente; sua população
dizimada. A cabeça de Antônio Conselheiro é cortada e levada até a faculdade de
Salvador, para que a ciência estudasse os traços raciais que, segundo se
acreditava na época, predispunha-o para a demência, o crime e o fanatismo.
Bibliografia.
Cunha,
Euclides da. Os Sertões; 1866 – 1909.Os Sertões;- Campanha de Canudos)-17ª
ed.-Rio de Janeiro.Ediouro, 1995.
Paro, Iana
Cossoy: Antônio Conselheiro. Ver. Caros Amigos; Rebeldes Brasileiros; fascículo
2. Ed. Casa Amarela, S. P. Sem data de publicação.
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