quinta-feira, 14 de abril de 2016

Serra das Almas

Serra das Almas
José Solon Sales e Silva - Cadeira Nº 34

Na grande vastidão da serra da Ibiapaba, como sempre foi chamada a Cuesta da Ibiapaba, pelos serranos e sertanejos, existe uma serra, nas imediações de Cratéus, no Ceará, conhecida desde sempre como Serra das Almas. Há 30 Km do centro de Cratéus a serra faz extrema com o estado do Piauí, localizando-se entre Cratéus e Buriti dos Montes, no Piauí. De Cratéus a Tucuns, já na Serra das Almas são 32 Km, e de Tucuns, no Ceará a Buriti dos Montes, no Piauí, são 23 Km.
            Seu nome é muito antigo e sempre foi nomeada por Serra das Almas. Este batismo diferente deu-se pela crendice do povo. Contavam os mais antigos que no final do século XIX já existiam moradores em cima da serra.
            Lugar bom de se morar, por que além de plantar era ótimo para criar. Terra de plano inclinado, ali existiam seis boas nascentes de água fato indispensável para que o homem se fixasse na terra naquele século. Difícil chegar lá, mas em lá chegando tinha-se de tudo, muita fartura, nem precisava descer para o sertão do Cratéus ou do Buriti, secos e quentes.
            Para se ter uma ideia da dificuldade de acesso, a estrada de rodagem ou a pista, como ainda dizem os moradores daquelas paragens só chegou a serra há pouco mais de dez anos, no início do século XXI. Até o finalzinho do século XX descer a serra e ir a Cratéus, o maior centro comercial de toda a região era uma verdadeira epopeia. Dois dias a pé com as coisas na cabeça ou em lombo de animais.
            Pois as pequenas comunidades, de cima da serra, tais como Tabuleiro, Tucuns, Salgado, Buritizinho que hoje contam com aproximadamente 1700 famílias, não dispunham, no início, onde enterrar seus mortos e, quando morria uma pessoa era grande a aflição. Como levar um defunto serra abaixo por mais de 30 Km até Crateús ou até Buriti dos Montes? Sem estradas, pelas veredas, sem recursos, serra abaixo? Quem iria se importar? O poder público?
            Qual o quê. Enterravam-se os defuntos (não sei se fiéis defuntos), debaixo de um juazeiro, umbuzeiro, gameleira, catingueira ou de uma aroeira ou até na caatinga arbórea ou no carrasco. O defunto não podia ficar sem cova...
            Para a crença popular os fiéis defuntos deveriam ser encomendados por um padre e enterrados em “campo santo”. Mas... qual a serventia das carpideiras? Elas encomendavam os defuntos com as Incelenças ou Cantigas de Sentinela ou Benditos de Defuntos: “Uma incelença das almas. Quem mandou foi mãe de Deus. Adeus, irmão das almas. Irmão das almas adeus. Duas incelença das almas... Três incelença das almas...” E por ai iam dia a dentro, noite afora, encomendando os defuntos...
            Pois bem, acreditavam os antigos que os defuntos deveriam ser enterrados nos cemitérios, depois de receberem a encomendação da alma, por um padre. A falta desta observância e do ritual da encomendação do corpo pelo vigário a alma do defunto ficava vagando pela terra.
            E como os poucos habitantes não tinham meios de dar sepultura digna aos seus defuntos, enterravam-nos, perto de casa... na serra mesmo. Estas almas até hoje estão vagando pela imensidão da serra da Ibiapaba, naquela porção específica que as pessoas batizaram de Serra das Almas.
            Serra das Almas, Cratéus(CE), 09 de Abril de 2016

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