domingo, 27 de março de 2016

DOMINGO DA RESSURREIÇÃO

Neste domingo somos chamados a lançar o nosso olhar para o sepulcro vazio e contemplar o radiante mistério da ressurreição do Senhor. Ouvimos mais uma vez ecoar o confortador anúncio: “Cristo ressuscitou!”.
Com o Domingo da Ressurreição iniciamos um novo período litúrgico, o tempo pascal. A palavra Páscoa vem do hebraico “pesah” que traduzida para o grego será “páscoa”, e significa passagem. No Antigo Testamento a Páscoa tem a finalidade de celebrar a passagem do Senhor Deus, que libertou o povo de Israel da escravidão do Egito (cf. Ex 12). Anteriormente, no âmbito agrícola, era a celebração do início da primavera, no primeiro mês da colheita da cevada, e que Israel adaptou, para a celebração da Páscoa, onde faziam pães sem fermento (cf. Dt 16,3). No aspecto pastoril era o sacrifício de um cordeiro cujo sangue era colocado na entrada das tendas dos pastores nômades, para a proteção dos rebanhos. Israel também usou este rito para lembrar o dia em que, no Egito, Israel precisou passar o sangue do cordeiro em suas portas para protegê-los da passagem do Senhor, como se encontra em (cf. Ex 12).
No Novo Testamento a Páscoa ganhou uma nova dimensão: é a passagem da morte para a vida, ou seja, é a Ressurreição de Jesus Cristo. Como a prisão de Jesus e sua posterior morte, ocorreram na época da celebração da Páscoa dos Judeus (cf. Mt 26,17-56; Mc 14,12-50; Lc 22,14-62 e Jo 13), a sua Ressurreição toma agora o significado de passagem da morte para a vida eterna, para uma nova vida com Deus.
E ao celebrarmos a Ressurreição do Senhor, a liturgia nos recorda as palavras dirigidas pelo anjo às mulheres que choravam ao lado do túmulo vazio. Elas, como nos fala o Evangelho, foram ainda pela manhã cedo ao sepulcro e receberam do anjo a notícia que modificou o decurso da história: “Não vos assusteis. Procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou! Não está aqui!” (Mc 16, 6). É precisamente um anjo que, do sepulcro vazio, dirige a primeira mensagem às mulheres que ali chegam para completar a inumação do corpo de Jesus.
O texto do Evangelho nos fala exatamente do primeiro impacto e das primeiras testemunhas: Maria Madalena, Pedro e João, o discípulo que Jesus amava. Maria Madalena, enquanto mulher, pertencia à categoria de pessoas discriminadas, sem credibilidade oficial para os seus testemunhos. No entanto, ela é a primeira personagem a entrar em cena. É a primeira a dirigir-se ao túmulo de Jesus, quando ainda o sol não tinha nascido, na manhã do primeiro dia da semana. Este “primeiro dia” nos faz lembrar o início de uma nova realidade, um novo tempo, o tempo do homem novo, que nasceu a partir da ação criadora e vivificadora de Jesus.
Maria Madalena foi a primeira pessoa que Deus escolheu para dar a notícia a Pedro e ao outro discípulo: “Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o puseram” (Jo 20,2). Pedro e o outro discípulo, onde a tradição aponta como o evangelista João, dirigiram-se apressadamente ao sepulcro, mas João chegou primeiro. E nos diz o texto bíblico que ele “viu e acreditou” (Jo 20, 8).
Por diversas vezes vemos lado a lado nos evangelhos as figuras de Pedro e João. Eles aparecem juntos em várias circunstâncias. Na última ceia é o “discípulo amado” que está do lado de Jesus (cf. Jo 13,23-25); na paixão, é ele que consegue estar perto de Jesus no átrio do sumo sacerdote (cf. Jo 18,15-18); é ele que está junto da cruz quando Jesus morre (cf. Jo 19,25-27); e é também ele o primeiro a reconhecer Jesus ressuscitado na sua aparição aos discípulos no lago de Tiberíades (cf. Jo 21,7). Diz o evangelho que o “outro discípulo” correu mais e chegou ao túmulo primeiro que Pedro. O fato de se dizer que ele não entrou logo, pode significar a sua deferência para com Pedro.
Em geral, Pedro é apresentado nos Evangelhos como o discípulo obstinado, para quem a morte significa fracasso e que se recusa a aceitar que a vida nova passe pela humilhação da cruz (cf. Jo 13,6-8.36-38; 18,16.17.18.25-27; cf. Mc 8,32-33; Mt 16,22-23). Ele é, em várias situações, o discípulo que tem inúmeras dificuldades em entender os valores que Jesus propõe, que raciocina de acordo com a lógica do mundo e que não entende que a vida eterna e verdadeira possa brotar da cruz.
Ao contrário de João, apresentado no evangelho como o “outro discípulo”, é aquele que está sempre próximo de Jesus, que se identifica com Jesus, que adere incondicionalmente aos seus valores. Nessa sua comunhão e intimidade com Jesus, ele aprendeu e interiorizou a lógica de Jesus e percebeu que a doação e a entrega são caminhos de vida. Para ele, faz todo o sentido que Jesus tenha ressuscitado, por isto ele “viu e acreditou” (v. 8), pois a vitória sobre a morte é o resultado lógico do dom da vida, do amor até ao extremo.
O discípulo que Jesus amava viu o mesmo que Pedro: um túmulo vazio, com as ligaduras e o sudário, mas o texto não diz que ele acreditou, ao contrário de João: ele viu e acreditou. Por que esta diferença na atitude dos dois discípulos? A fé de João, conhecido como o discípulo amado, sofre um salto qualitativo. No lugar onde jazia morto seu mestre amado, os olhos de sua fé se abrem e ele consegue compreender que Jesus está vivo, Ressuscitou. O amor de Pedro por Jesus também era grande, mas necessitava de ser fortalecido pela ação do Espírito Santo.
Como de fato, posteriormente, repleto do Espírito Santo, dirá Pedro aos judeus, em sua pregação sobre Jesus: “Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judéia, a começar pela Galiléia… Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez… mataram-no… mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia… Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É dele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: Quem acredita nele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados” (At 10,34ss). E movidos pelo Espírito Santo, eles, Pedro e João, juntamente com os demais apóstolos, percorrerão os caminhos do mundo para fazer ressoar o jubiloso anúncio pascal.
Podemos ainda lembrar que evangelho deste domingo inicia-se com as palavras “no primeiro dia da semana”. Isso exprime a nova realidade que começa com a ressurreição de Jesus, a nova criação que principia. Com isto, podemos dizer também que a Páscoa é o começo de um novo tempo, a passagem de um modo de viver para outro. É sair da escravidão do pecado para chegar à terra prometida, onde a vida floresce. No evangelho de hoje, os verbos de movimento: ir, correr, sair e entrar, mostram essa ideia. A vida nova que brota da ressurreição é algo que devemos buscar e precisamos construir, iluminados e fortalecidos pela luz do Ressuscitado.
Que todos nós possamos fazer esta mesma experiência espiritual que fizeram Maria Madalena, João e Pedro, acolhendo no coração, nas nossas casas e nas nossas nossas famílias o feliz anúncio da Ressurreição: “Cristo ressuscitou e vive no nosso meio, Aleluia!”.
E, a partir da solene Vigília pascal, volta a ressoar o cântico do Aleluia, palavra hebraica universalmente conhecida, que significa “Louvai o Senhor”. O aleluia desabrochou nos corações dos primeiros discípulos de Jesus naquela manhã de Páscoa, em Jerusalém. Deixemos que o aleluia pascal se imprima profundamente também em nós, como expressão de uma vida de união com o Cristo Ressuscitado, a quem devemos louvar e agradecer pelas maravilhas que Ele operou em nós. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

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