terça-feira, 14 de julho de 2015

PRECES, GRITOS E TERROR!...A FUGA DE MADUREIRA

Dando continuidade ao conflito ocorrido em Ipu na noite de novembro de 1946 destacaremos em nossa narrativa (reconstituída de várias memórias e histórias referente às pessoas que vivenciaram o período) o momento de desespero e aflição do comunista e prof. Hugo Madureira e seus demais alunos da Liga dos Trabalhadores do Ipu.
Pois bem, naquela noite de ódio, medo e terror Madureira foi surpreendido com uma enorme multidão de pessoas querendo invadir a sede da Liga dos trabalhadores. No momento em que continuava agachado por de traz de uma das portas uma pedra certeira veio de encontro ao seu joelho. Ensanguentado e praticamente quase que dominado pela multidão raivosa tenta ele fechar a porta, numa tentativa de segurar por alguns instantes a enorme multidão, talvez na intenção de fugir pelos fundos, o que realmente não lhe restava alternativa.
Os gritos vindos de fora faziam lembrar um bando de lobos famintos tentando agarrar a sua presa: “Sai daí de dentro comunista do inferno!... Morra como homem desgraçado!” O que se via era uma enorme chuva de pedras e paus por entre portas e telhados. E o pior, muito de seus alunos se encontravam na sede, o que fazia com que Madureira gritasse insistentemente: Por favor, calma!!! Não somos ladrões e nem demônios. Somos trabalhadores assim como vocês. Não façam isso, por favor!... De nada adiantava as palavras do líder comunista Madureira, pois o fanatismo e a intolerância falavam mais altos: Cão maldito!... Não negociamos com anticristo, somos devotos de São Sebastião e não do satanás...Avante Cruzados da Eucaristia! Viva Círculo Operário, Viva São Sebastião! Viva Padre Cauby!...E a multidão em coro gritava: Vivaaa!!!!
Madureira, sabendo das consequências que viria acontecer logo pediu para o seu seguidor fiel e companheiro Manoel sapateiro fugisse com os demais alunos pelo telhado: Vá companheiro!... Fujão todos pelo telhado! Ligeiro, não estou mais aguentando segurar a porta! Eles vão invadir a qualquer hora!... Ao ouvir seu mestre e amigo Manoel sapateiro responde: Não irei companheiro, se preciso for morrerei ao seu lado!!! E assim estava traçado o destino, somente Hugo Madureira e Manoel sapateiro se encontravam na sede, prestes a ser invadida pelo grupo de fiéis seguidores de Padre Cauby.

Um quase linchamento

No momento em que invadiram a porta, Madureira e Manoel sapateiro se encontravam agachados debaixo de uma pequena mesa. Por sobre a mesa encontravam-se cartilhas e livretos que eram usados nas aulas noturnas dos trabalhadores. Tudo foi destruído e queimado: “Pobre povo miserável!...” Repetia insistentemente Madureira ao fazer alusão à ignorância e ao extremismo religioso daqueles que reviravam e incendiavam as inúmeras cartilhas e livros ali encontrados. Um crime bárbaro realmente! Parecia que Ipu voltava aos tempos da Inquisição onde livros eram queimados e os homens eram condenados à forca por pensarem diferente da Igreja.
E como um bando de animais ferozes, frente a frente com o inimigo, fixavam sua caça, até que finalmente ambos foram arrancados para fora, expostos à multidão, frente ao mesmo local praticamente destruído e queimado. Estavam lá, somente os dois, Madureira e seu fiel companheiro Manoel sapateiro. As bandeiras, com enorme cruz de malta desenhada ao centro tremulavam por entre a multidão. De repente um dos fanáticos e líder do movimento católico grita: Eis aí os desgraçados comunistas, filhos do demônio!!!
Por sorte Madureira costumava andar com um pequeno revólver niquelado, conhecido popularmente pelos sertanejos como “pau de fogo.” Foi aí que o mesmo, numa ação rápida e precisa, retirou a referida arma de seu terno branco e em seguida apontou em direção a multidão, erguendo-a, pois para o alto dando três tiros: pá...pá...pá!!! O maldito tá armado!...Valei-me meu São Sebastião!!! O que fez com que muitos que se encontravam ali se retirassem momentaneamente, mas não era o bastante para se livrar da onda de fiéis que queriam a qualquer preço linchar Madureira.
O que parecia uma maneira mais eficaz para amedrontar a grande multidão logo fez alterar ainda mais os ânimos daqueles pobres homens embrutecidos. Se não vejamos em nossa narrativa: um dos mais exaltados puxa de uma faca e corre em direção a Madureira: Agora tu vai morrer cão do inferno!!! A sorte é que Madureira tinha ao seu lado um verdadeiro “caba da peste. “E como um fiel “anjo da guarda” Manoel sapateiro dar um empurrão em seu companheiro na intenção de livrar Madureira do golpe fatal do infeliz fanático: Corre companheiro, não se preocupe comigo, corre”!... correeeee!!!! Por pouco Madureira escapou de um golpe fatal, o que lhe fez aproveitar o momento de descuido da multidão e correr em direção a antiga rua do “papoco, “mesmo local onde se encontra hoje a Câmara Municipal, na rua que dar acesso a Estação Ferroviária.
Numa outra tentativa de desviar a atenção dos que mais queriam pegar Madureira na unha ou na peixeira, Manoel sapateiro agarra um pedaço de pau e resolve enfrentar sozinho os valentões da “sentinela anticomunista.” Venham desgraçados, aqui não haverá deus e nem o diabo para contar a história...morrerei mas levarei junto comigo algum miserável desta cidade maldita para os quinto dos inferno... Ah!ah!ah!ah!ah!...
Parecia realmente um verdadeiro palco de guerra, com aquela multidão de pessoas simples e embrutecida erguendo bandeiras, com pedras e pedaços de paus arrancado das árvores que se encontrava próximo a Igreja Matriz.
Daí por diante não se tem mais detalhes do que teria acontecido com Hugo Madureira e seu fiel sapateiro. As fontes silenciam sobre o que teria acontecido com Manoel sapateiro. As várias pessoas entrevistadas em nossa pesquisa não deixam vestígios ou fontes necessárias para uma melhor análise. Teria ele sido linchado pela multidão? Quanto ao comunista Hugo Madureira? Bem, ao que tudo indica, segundo fontes orais e alguns escritos, teria ele, no momento em que se livrara da onda fanática, corrido em direção a Estação ferroviária e de lá enviado telegramas para o jornal “O Democrata”, de inspiração comunista. O que motivou os redatores a colocar no dia seguinte, em primeira página o título: “UM QUASE LINCHAMENTO OCORRIDO EM IPU”, culpando Padre Cauby pela incitação a “exploração da fé,” “a discórdia,” “as provocações e agressões físicas.”
Ao pedir urgentemente sua transferência para cidade Natal, embora não intimidado pelas ameaças Madureira ainda seria motivo de preocupação por parte do clero católico cearense. Agora não mais de Ipu, e sim de Crateús, cidade a qual se dirigiu depois de sua expulsão da terra de Iracema. Algo que merece uma pesquisa mais precisa e contundente.
Talvez o nosso amigo leitor deva estar se perguntando: E quanto ao padre Cauby? Bem, há quem diga, segundo as mesmas fontes orais, que o mesmo teria largado a batina por ter se apaixonado por uma “diabinha...” Olha aí Macho! (risos)
Como vimos meu caro leitor, desde aquela turbulenta noite de novembro de 1946, o povo de Ipu entraria para a história como soldados da fé de São Sebastião que resistiram e “venceram” a “peste comunista”. Om que se diga que a expulsão de Madureira em Ipu não foi um caso isolado. Os jornais católicos da época relatam neste mesmo espaço de tempo a “grande onda popular” nas pequenas cidades interioranas em combate aos inimigos da Igreja.
Em Itapipoca, por ocasião de um comício que se realizaria pela caravana do Partido Comunista, a qual se encontrava o jovem militante e escritor Jorge Amado, teria acontecido algo semelhante. Mas isto é uma outra história!
Petrônio Lima
Professor de História
petroniolima2@yahoo.com.br


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