terça-feira, 21 de julho de 2015

O CIRCO EM IPU
Recordar é viver, diz o adágio popular. Recordo-me ainda quando, na minha meninice, o circo chegava a Ipu. De início, eram os preparativos para sua instalação num terreno baldio que ficava entre a Rua Padre Correa (Rua da Itália) e a Rua Cel. Félix, bem próximo da casa em que minha família morava.
Era uma festa na cidade que fugia à sua rotina e vivia, naquele período, dias de felicidades irradiados pelo fantástico , feérico e mágico mundo do circo.
No circo tudo me despertava a atenção. Os trapezistas, com suas acrobacias, deixavam-me o coração batendo a mil. O palhaço, com suas roupas frouxas, coloridas, e cara pintada, divertia a criançada. As bonitas mulheres do circo, com sua graça, beleza e simpatia, enchiam os olhos da moçada e dos adultos. Os animais – elefantes , cavalos e macacos – também eram atrações. Lembro-me dos nomes de alguns circos que passaram por Ipu: Garcia, Nerino, Carrapicho.
Inolvidável também era a maneira de anunciar o espetáculo diário. O palhaço saía, à tarde, pelas ruas da cidade, andando com pernas de pau, ou montado num jumento de costas para a cabeça do animal, acompanhado de um bando de meninos, estabelecendo com eles um diálogo assaz interessante e jocoso:
- Hoje tem espetáculo?
- Tem, sim, senhor!
- Ás oito horas da noite?
- Tem, sim, senhor!
- Hoje tem marmelada?
- Tem, sim, senhor!
- Hoje tem arrelia?
- Tem, sim, senhor!
- Na casa da sua tia?
- Tem, sim, senhor!
- Alegria de pobre é um dia só!
- Um quilo de tripa e um mocotó!
- E o palhaço o que é?
- Ladrão de mulher!
- Arrocha, negrada!

Após este último comando, ouvia-se uma estrepitosa vaia por parte da garotada que acompanhava o palhaço pelas principais ruas da cidade e nos bairros mais próximos.
Confesso que tinha uma vontade enorme de integrar esse grupo de garotos que acompanhavam o palhaço, mas a sociedade repressora da época não permitia isso.
O tempora, o mores! (Ó tempos, ó costumes!)
Terminada a passeata, os meninos eram marcados, com tinta-óleo vermelha, na testa ou no braço, a fim de que pudessem ser identificados, à noite, na entrada do circo para assistir de graça ao espetáculo. Era o prêmio deles por terem participado do anúncio do espetáculo da noite.
O circo não divertia somente as crianças, mas também os adolescentes, os adultos, homens e mulheres. Eram momentos felizes e divertidos que vivia a população. Logo depois de encerrada a temporada do circo, a cidade voltava à sua vida normal.
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Caros conterrâneos e amigos de Ipu:
É com grande tristeza e dor na alma que vejo os prédios históricos de Ipu serem tombados a picareta, trator e escavadeira.
Em comparação com Viçosa do Ceará e Icó, Ipu está anos-luz atrás no que concerne ao tombamento de prédios históricos e à preservação da cultura.
Precisamos preservar a nossa memória histórica, pois cidade que não conserva viva sua história está condenada a perder o que de mais precioso tem, ou seja, a sua identidade.
A especulação imobiliária está devastando o centro histórico de Ipu. Está irrefreável. Mas grande culpa disso cabe aos proprietários desses prédios, normalmente casarões, ou aos herdeiros deles. É que as somas de dinheiro que são oferecidas por eles são irrecusáveis.
Verdade é, também, que os herdeiros precisam, muitas vezes, alienar essas preciosidades históricas, pois estão precisando de dinheiro para tocar a vida na educação da família e na saúde dela.
Aí, é que deve entrar o poder público. A Câmara de Vereadores deve estudar o problema com toda a atenção e cuidado requeridos. Projeto de lei deve ser votado para preservar a memória histórica de Ipu. Não sou versado em leis, mas deveria ser feito um levantamento pelos órgãos públicos de todos os casarões de Ipu de importância histórica e cultural. A partir daí, proceder-se ao tombamento, através dos órgãos competentes, dar incentivos fiscais aos proprietários. E, também, incentivos creditícios para sua conservação e utilização, preservando suas fachadas, conforme prevê a lei.
O que falta em Ipu são mecenas que beneficiem a cultura e as artes. Não é costume nosso esse tipo de atividade cultural. Exemplo da família de Osvaldo Araújo, doando a casa antiga à Paróquia, é um ato isolado. Hoje, a Casa Osvaldo Araújo abriga a Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes (AILCA) e a Associação dos Filhos e Amigos de Ipu (AFAI), onde se desenvolve uma atividade cultural intensa em prol da sociedade.
Precisamos lutar pela preservação da nossa história cultural. Temos três ícones ímpares em Ipu: a Bica - presente da natureza -, a Igrejinha e a Estação Ferroviária.
A Bica do Ipu (Fall of Ipu) foi consagrada, no ano de 2013, em selo de circulação nacional e internacional que está a girar pelo mundo afora para deleite dos colecionadores.
A Igrejinha foi restaurada e mostra todo o seu esplendor do passado. A Estação recebeu nova roupagem de acordo com os moldes originais.
E a Estação está prestes a ganhar um novo presente. O DNIT doou à Prefeitura Municipal de Ipu, graças aos esforços do dinâmico, atuante, competente e empreendedor prefeito Sérgio Rufino, do Eng.º José Hamilton Pereira (REFFESA) e de um pequeno grupo de ipuenses, uma locomotiva diesel para ornamentar a Praça da Estação. Dois vagões também foram solicitados.
A Estação de Ipu vai reviver seu passado glorioso. Os mais velhos vão matar saudades daqueles belos tempos. E os mais jovens vão ter a noção do que o transporte ferroviário representava para Ipu. O conjunto de uma locomotiva e de dois vagões vai configurar o quanto a Estrada de Ferro foi importante para Ipu nos aspectos arquitetônico, econômico, urbanístico, social, artístico e cultural.
Com efeito, a Estação de Ipu é um dos principais e conhecidos ícones da cidade, ao lado da Bica (Fall of Ipu) e da Igrejinha, como me referi anteriormente. E foi parte integrante da minha infância e da minha juventude, pois, como disse a nossa escritora Raquel de Queiroz, “ menino criado em beira de linha fica com o trem no sangue”.
Era a Estação o ponto de encontro diário de grande parte da população da cidade e daqueles que, ocasionalmente, vinham dos distritos, sítios e fazendas. Ao toque da sineta, anunciando a chegada próxima do trem, as pessoas se dirigiam em correria para lá. A Estação presenciou, sem dúvida, grandes momentos e episódios marcantes. Eram partidas e chegadas de entes queridos, encontros e desencontros, alegrias e tristezas, boas-vindas e despedidas, sorrisos e lágrimas, beijos e tapas, juras de amor e chiliques de ciúmes, inícios e términos de namores e flertes. Enfim, as alegrias e as vicissitudes que povoam os fundos arcanos da misteriosa e insondável alma humana.
Cordialmente,
Olívio Martins de Souza Torres


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