Fragmentos do Passado
Olívio Martins de Souza Torres
Na minha infância, Ipu era muito
arborizada. Predominavam, nas avenidas e nas ruas, os fícus-benjamins e
as mongubeiras . Na frente de nossa casa, na Rua Padre Correa, conhecida também
como Rua da Itália, havia uma frondosa mongubeira, sob cuja sombra os burros e
jumentos que formavam os comboios de meu pai e de meu avô descansavam para a
longa e cansativa jornada de subir a serra. Seus galhos amigos também
abrigavam pássaros que, com seus cantos maviosos, formando uma sinfonia,
anunciavam cedinho o nascer do dia e, ao cair da tarde, na hora do ângelus - quando
os sinos da Igreja Matriz convocavam os fiéis para as ave-marias - se recolhiam
em seu refúgio seguro.
Vez por outra, cheguei a perfazer o
itinerário desses comboios em direção à Serra Grande. Logo no Alto dos Quatorze, ouvia-se ao longe o sibilar das macacas vibradas pelos comboieiros
para estimular as alimárias na penosa jornada que se iniciava serra
acima.
Passando pelo Boqueirão, logo após o
Presídio, à esquerda, onde havia uns lajedos e uma bodega, começava, realmente,
a parte difícil do percurso que culminava, mais adiante, com uma trilha íngreme
e estreita em que os animais caminhavam em fila indiana, tendo à direita um
precipício de causar medo, tal sua profundidade.
Vencida essa difícil etapa,
chegava-se, enfim, a um caminho sem declives, plano, ensombrado de altas e
centenárias árvores, cuja sombra trazia alívio para todos, homens e
animais. O local era o Sítio do Meio, de propriedade de meu avô,
cortado por um riacho que margeava a estrada. Pouco adiante, continuando
pela estrada ensombrada, onde os ramos frescos e perfumados das árvores
acariciavam nossos rostos, braços e mãos, chegava-se ao Sítio Corrente, onde o
riacho cortava a estrada que era formada, então, de um grande
lajedo. Era uma pausa para os animais beberem água e a gente lavar o rosto e os
pés. Era, enfim, o coroamento de uma empreitada homérica.
Logo depois do Corrente, atingia-se o
planalto e mais dois quilômetros adiante chegávamos ao Sítio Lagoa
Velha, linha de chegada, onde meus avós estavam passando o verão, época
de moagem da cana- de- açúcar.
Fortaleza, 12 de setembro de 2010
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