Chuva de Gelo - Ipu
Este é mais um daqueles textos sem delimitação
cronológica, mas com detalhes guardados no coração.
Estávamos voltando do Centro, Vovó Tereza e eu. Não
lembro exatamente o que fomos fazer, mas estávamos com os passos apressados
para chegar em casa, afinal, o tempo estava fechando e parecia que estava vindo
uma chuva daquelas de deixar a Bica marrom de tão barrenta.
Já estávamos na calçada da Dona Nilce, vizinha muito
querida por sinal, quando senti uma coisa cair na minha cabeça. Logo pensei que
fosse um tamarindo. Cocei o local da pancada pra tirar algum resto de casquinha
e imediatamente olhei para o chão em busca do azedinho. O primeiro pensamento
foi guardar a fruta na porta da geladeira. Minha garganta sempre foi ruim e
comer tamarindo quente seria irritação na certa.
Mas não era fruta nenhuma. Era gelo. Gelo caindo do
céu do Ipu. Já tinha visto cair muita neve na Suíça, um país da Europa muito
frio boa parte do ano. Minha tia Almerinda sempre mandava fotos lindíssimas
daquele monte de neve branca, mas cair gelo no Ipu eu não imaginava ver. Talvez
por isso tenha sido tão legal e tão bonito.
Lembro muito da minha vó falando com alegria: “- Tá
chovendo gelo, Meu Deus!”
Ficamos alguns segundos ali, com as mãos para cima,
tentando pegar algum inusitado gelo. Eram pedrinhas pequenas, ovais e meio
achatadas. Botei na boca (essa chance eu não poderia deixar passar) e era gelo
mesmo.
Passou uma
senhora muito simpática e disse: “- Terezinha, cuidado! Pode cair uma pedra
grande de granito na sua cabeça e é muito perigoso.” Na hora deu uma vontade de
rir com as palavras trocadas, mas claro que não disse nada. Naquelas épocas eu
já tinha aprendido que o mais importante é que a mensagem do emissor chegue ao
receptor e, nesse contexto, nem sempre precisamos das palavras corretas ou
eruditas. Muito além do granito ou do mármore, ficaram o carinho e a
preocupação daquela senhora com a minha avó e isso bastou.
Bom, granito não iria cair, mas, de fato, poderia vir
alguma pedrona de gelo. Na dúvida, entramos em casa. Vovó foi cuidar da vida e
eu botei a cadeira de plástico na ponta da garagem e fiquei apoiada no portão
vendo aquele gelo cair e derreter logo em seguida.
Nos outros dias até choveu, mas, para a minha
tristeza, nem um cubinho de gelo apareceu pra recontar a história.
Cheguei no colégio e fui logo falando do granizo do
Ipu. Os colegas não acreditaram muito e então fui contar ao professor na esperança
de receber apoio. Ele falou não sei o que do clima, não sei o que lá do relevo
e no final das contas deu a entender que não seria muito possível. Eu vi o
gelo, caiu na minha cabeça tão certeiro que até coçou. Adorava aquele professor
de geografia, mas fiquei meio chateada com ele um bom tempo.
Não sei quando aconteceu, mas aconteceu. Dia desses vi
uma matéria de grande repercussão sobre a chuva de granizo em Ipueiras. Deu uma
vontade enorme de dizer: “Eu não disse!”. Pois bem. Está dito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário