quinta-feira, 25 de junho de 2015

“UMA RUA CHAMADA SAUDADE”
         O jogo sempre foi a paixão, a ruína ou simplesmente a alegria do povo. O jogo do bicho era motivo de grandes discussões numa ruazinha animada no centro da cidade. Ela começa por trás da Igreja Matriz e termina na Praça da Estação. Ela sempre foi habitada por pessoas felizes e honestas. Lá moravam funcionários do Posto de Saúde DNERU, aposentados da Estrada de Ferro e inúmeros fazendeiros abastados. Lembro-me da casa da Deolina, uma costureira afamada que morava com as irmãs, a bela Nenzinha, Totonia e Anita Peres que casou com o meu tio Pretinho. A casa do Chico Lão era um barato, com seus nove filhos bonitos e saudáveis. A rua era uma festa. Como eram divertidas as rodas nas calçadas esperando a passagem do trem ou na hora das novenas. Belos coqueiros enfeitavam o horizonte nas manhãs fagueiras e à noite a lua passeava pelo céu com a sua nudez poética e misteriosa. Havia violões e serestas pelas ruas. Era o Boulevard Pedro II, depois Avenida da Municipalidade e hoje Vereador Francisco das Chagas Farias. No Boulevard morava uma pessoa muito especial, o Sr. Joaquim Dias Martins. Era uma figura inteligente, fina e de família tradicional da cidade. A sua ironia era incomparavelmente cheia de inovações. Era responsável pelos leilões, quermesses e tudo o mais que se passo imaginar em termos de festa e de criatividade. Era prestativo e amigo verdadeiro. Gostava de criar situações interessantes e era um grande contador de “causos” e anedotas. Ele chamava o Boulevard de “Rua do Papoco” porque algumas vezes surgia uma confusão lá pras bandas das casinhas de taipa. Lá moravam a Dulça, a Luça, a Domitila, a Capota, mãe do Peixe, ainda pequenina, o Feitosa e tanta gente boa que ainda mora na minha saudade. Numa coisa os moradores de rua se afinavam. Quase todos alimentavam o sonho de ganhar fortuna jogando no “bicho”. Pela manhã era fácil encontrar rodinhas destrinchando os sonhos de noite para arriscar um palpite. À tardinha era um corre-corre medonho à espera do resultado do jogo. Um emissário fazia plantão no Bar do Zé Procópio para verificar qual o número do bicho que figurava na tabuleta pendurada na parede. Numa bela tarde de maio o jogo estava bastante carregado, mas o resultado estava demorando demais a chegar. Já era quase hora da Procissão e nada. Todos já se dirigiam para a Igreja Matriz e a banda de música já executava os dobrados saudosos no patamar. As filhas de Maria já formavam a ala principal levando o andor da Virgem Maria. No meio da fila estavam a Mundoca, a Bastiana e a Cecília. As três quase não rezavam na ânsia de saber qual o bicho do dia, mas a tábua continuava sem novidades. A procissão prosseguia pelas ruas da cidade e ouvia-se o canto forte de Nossa Senhora que emocionava o mundo inteiro: Ave, ave, ave, Maria…
Quando o cortejo passou bem em frente ao Bar do jogo do bicho houve um movimento fora do comum. Finalmente já era conhecido o número em questão. Como as religiosas eram baixinhas  só havia um meio de saber o resultado do jogo. Era preciso pedir a ajuda da Mundoca por ser ela a mais alta da turma. E Bastiana plagiou:
         Mundoca Farias
         Que és mais alta que eu
         Olha a tábua do Zé Procópio
         E diz o bicho que deu.
Neste momento a Mundoca cantava contrita. Não perdeu a pose. Esticou o pescoço, olhou de rabo de olho e continuou no embalo do hino:
         Ave, ave, ave, AVESTRUZ!
         Ave, ave, ave, AVESTRUZ!         


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