sábado, 6 de junho de 2015

Um Amor Inacabado (ligue o som)

Pedro Fortuna Oliveira Lima
 Estudavam no mesmo colégio. Ele fazia  um programa musical esportivo no serviço de alto-falante na cidadezinha onde viviam. Ela pintava quadros maravilhosos e era a melhor aluna do colégio. Juntos cantavam nas festinhas que a escola organizava, principalmente, ao final do ano letivo. Ela era muito querida e admirada por todos. O programa dele era semanal, apresentado aos domingos, por isso, toda sexta-feira, muitas meninas lotavam o auditório  para ver o ensaio. Ela também costumava aparecer...  Um dia, ela disse que ele tinha muitas fãs,  ele respondeu que ela tinha muitos admiradores. Ele falou que trocaria todas por uma especial. Ela perguntou quem era, e ele respondeu que ela sabia.
 Na semana seguinte, ela o viu na pracinha conversando com uma bonita garota.  No outro dia, ele a avistou na companhia de um jovem da capital. No dia do ensaio, ela disse que a namorada dele era muito bonita. Ele disse que o dela era simpático. Ela respondeu que era um parente em visita à sua residência  e que não tinha namorado. Ele disse que também não tinha namorada, pois estava esperando por uma especial. Ela quis  saber quem era, e ele colocou sua mão sobre a dela. Ela perguntou se aquilo era sério, e ele segurou suas mãos e as acariciou. Estavam namorando.
 No dia do aniversário dele, seus pais tiveram um desentendimento sério, e ele não pôde sair de casa. Ela o esperava para comemorarem. No serviço de alto-falante, foi noticiado que ele estava aniversariando e que, em sua residência, estava sendo oferecido um coquetel aos amigos e familiares. Ela ouviu. No outro dia, ele desmentiu o coquetel. Mas ela não acreditou que fosse mentira, sentiu-se ofendida, sem valor e tudo acabou. Disse não saber que era apenas mais uma.  Foi o fim.
Por vingança, ela passou de mãos dadas com um garoto na frente dele. Irritado, ele passou com uma garota de mãos dadas para que ela visse.
 Os amigos fizeram de tudo para reaproximá-los, mas não deu. Meses depois,  ela soube que ele estava flertando com outra, e ele ouviu dizer que ela tinha namorado.
 Aproximava-se o final do ano letivo. Eles costumavam cantar  nestas ocasiões. Talvez, mais por ela que cantava muito bem. Sua voz melodiosa enchia o auditório da escola em que estudava. Quando do ensaio para a apresentação, na casa da organista, ela não apareceu, e ele estranhou.  No dia do encerramento do ano letivo,  ela estava sentada no local onde ficavam aqueles que  se apresentariam,  perto do palco.
 Eles ficaram por último. Ele foi chamado e subiu ao palco. O pianista deu o tom.  Ele veio para a pontinha do tablado e, olhando bem para ela, começou a cantar.
 “Alguém me disse que tu andas novamente,
de novo amor, nova paixão, toda contente. (Ela balançou a cabeça, que não.) 
Conheço bem tuas promessas,
outras ouvi iguais a essas.
Este teu jeito de enganar, conheço bem.
Pouco me importa que te vejam tantas vezes,
e que tu mudes de paixão todos os meses.
Se vais beijar como eu bem sei,
fazer  sonhar como eu sonhei,
mas sem ter nunca amor igual
ao que eu te dei.”
 Ele parou e ficou esperando que a pianista desse o acorde para cantar a segunda parte da música. Mas, não. Foi  introduzida uma música que ele não havia ensaiado. De repente, ela que havia  sumido do banco, irrompe palco adentro cantando assim:
 “Abraça-me, aperta-me em teus braços,
pois afinal sofri demais longe de ti.
Te quero, te quero tanto,
que por amor, por teu amor eu me perdi.
Nesta noite, quero viver todos os sonhos,
nesta noite, quero morrer de amor por ti.
Abraça-me, aperta-me em teus braços,
que por amor, por teu amor me perdi.”
 Da mesma forma, ela ficou aguardando a introdução para a segunda parte da música. Mas a pessoa que a acompanhava ao piano entrou com um acorde diferente. O acorde era de uma música que ele havia ensaiado e que, algumas vezes, tinham cantado juntos. Ele se preparou para cantar e ela também. Ele ficou confuso, tenso.  O acorde ecoou, e ele começou:
 “Gosto de olhar nos olhos teus.
Gosto de ter teu rosto em minhas mãos.
Gosto de ver sorrindo estes teus lábios lindos.
Gosto de te beijar, amor.
Li em seu olhar.
 Por sua vez, ela postou-se em frente a ele e respondeu, os olhos brilhando,
Li no seu também.
Ele continuou,
Que és o meu bem.
Ela confirma,
És o meu também.
E cantaram juntos,
E por toda vida viveremos sempre para nos amar.
Ele prosseguiu,
Para o meu amor.
Ela acompanhou,
Para o meu também.  
Ele avançou,
Basta o teu amor.
Ela chegando mais perto, ele sentindo o  seu perfume,
Basta o teu também.
As mãos se tocaram como brasas vivas,  e eles cantaram juntos,
E por toda vida viveremos sempre para nos amar.
Gosto de me olhar nos olhos teus,
gosto de ter teu rosto em minha mãos,
gosto de ver sorrindo estes teus olhos lindos,
gosto de te beijar, amor.
 Os amigos aplaudiram, e ele a abraçou com força. Tinham voltado. No final da semana, foram ao cinema. Viram “Dio Come Te Amo” e comeram pipoca.
 Ele estudava e irradiava jogos. Sonhava ser locutor. Tinha promessa para fazer um teste numa rádio da capital, estava esperando. Tinha certeza de que passaria.  Ela estudava, cantava e pintava quadros. Sonhava em ser pintora para pintar as belezas de sua linda cidade. Faziam planos, sonhavam juntos. Queriam a ruazinha mais simples, a casinha mais humilde, contanto que fosse na cidadezinha onde estavam vivendo aquele amor.
 No início do ano letivo, ele foi chamado à secretaria do colégio. A direção comunicou  que seu pai não estava pagando as mensalidades, e ele não poderia continuar estudando ali.  Ele voltou para a sala de aulas, arrumou seus livros e cadernos, olhou para seus amigos  e perguntou a Deus, por que ele?
 Em casa, o pai confirmou. Estava desempregado, não ganhava nada, mal dava para a alimentação. Seu mundo caiu. À noite, conversando, resolveram que ele iria para o Rio de Janeiro,  para a casa de um irmão há dez anos radicado na então chamada Cidade Maravilhosa. Não se despediram. Ele estava envergonhado, triste, não saberia o que dizer, não poderia prometer nada. Nem sabia o que seria da vida dele.
Chegando à rodoviária do Rio de Janeiro, ninguém o esperava. Ficou longo tempo com a mala na mão, e ninguém apareceu. Ele lembrou-se de que trazia uma carta  para ser entregue a um conhecido da família  em Copacabana. Rumou para lá. Este conhecido, não tendo onde o alojar, o levou para a casa de outros conhecidos na favela da Catacumba. Nos dias que se seguiram, ele procurou emprego, queria ser locutor. Não conseguiu. Quando o estômago falou mais alto, foi trabalhar de lavador de pratos e panelas numa pensão. Nunca mais soube dela, nem ela dele. O tempo passou.
 Dez anos depois, com um filho e separado, ele volta.  Ela havia se casado,  também tinha um filho e estava, igualmente, separada. Ele passou um dia inteiro em frente à casa dela esperando vê-la, mas ela não saiu. Ele voltou para o Rio.
Certo  dia, ele ligou para o mesmo colégio de onde havia saído um dia, com o intuito de obter informações para matricular uma sobrinha. A menina que o atendeu disse que chamaria a pessoa responsável,
 Ele esperou um pouco e, do outro lado da linha, ouviu uma voz familiar lá no cantinho mais escondido do seu coração. Ele não podia acreditar. Era ela. Ela ficou por alguns segundos muda, reconhecendo a voz dele, mas se recuperou e o tratou, profissionalmente,  por doutor.
 Não suportando a emoção, ele se esqueceu da sobrinha  e perguntou:
- Você se lembra do nosso tempo? 
- Do que deveria lembrar? – E ela retrucou com sua voz dourada,  aquecendo o coração dele...
- Do programa, de nós, ele retornou.
- Não. Só me lembro de que, um dia, acordei e estava sozinha, sem uma explicação. E que  esperei muito tempo, tempo demais, por uma resposta. 
- Eu não tinha nada para lhe oferecer, prometer, nem sabia o que seria de mim. Se voltaria vivo. 
- Mas eu não queria nada, você me bastava.
Ficaram mudos. Ela retornou dizendo adeus.
- Adeus, ele respondeu.
Alguma coisa se partiu.  

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