O Preço da Felicidade
Na Penumbra da tarde que
já finda, olho pela janela do meu quarto e vejo o pau-d'arco florido, com sua
enorme copa lilás contrastando com o verde das matas da Ibiapaba. Os raios de
sol que se despedem pincelam o céu de um amarelo ouro, num rasgo de luz que
atinge a alma de quem sorve a poesia daquele momento de êxtase. Há um silêncio
misterioso envolvendo aquele sítio tão longe da civilização. Ao meu lado vejo o
LU, companheiro de quarenta anos de vida, que dorme tranquilo na rede branca,
armada no alpendre da casa grande. O gado já volta ao curral, numa procissão
determinada, fazendo parte do cenário da natureza exuberante e bela. Numa
metamorfose os anos retrocederam e eu vejo o LU, ainda rapazinho, lindo,
magrinho, com uma camisa xadrez, passeando pelo “jardim de Iracema”, onde
assistíamos a apresentação da banda de música, no coreto erguido no meio da
praça. Eu o vi todo romântico cantando nas saudosas serenatas e pensei na suave
carícia do primeiro beijo. Relembrei a doce ventura da hora do nosso casamento…
E numa caminhada veloz através do tempo, os acontecimentos foram compondo uma
realidade tão diferente de tudo aquilo que tínhamos imaginado: o impacto do
desconhecido; as nossas diferenças; as dificuldades financeiras; a difícil
adaptação à nova vida; a demora da chegada dos filhos; o vazio que se
estabeleceu; suas ausências noturnas; a solidão e o silêncio, enfim a fuga de
nós mesmos. Vieram à tona a difícil luta de uma professora primária, que
abandonara o Curso de Pedagogia e as promessas de vida de um crescimento
pessoal e social, por uma reclusão num sítio até então completamente
desconhecido para ela. Tantas alegrias, tantas esperanças, tantas promessas de
amor, porém quantas decepções e quantas incertezas… Vida – caminho íngreme onde
deslumbramos apenas a felicidade e nunca estamos preparados para o imprevisto.
O difícil da vida é você aceitar os seus problemas e ter forças para enfrentar
os desafios. Tudo depende de Deus e de nós mesmos. É preciso acreditar no bem,
na justiça e na verdade. É preciso lutar quando pensamos que já não existe mais
esperanças. Somente o amor poderá nos transmitir esta energia de querer vencer.
Olho para LU que já desperta sonolento. Levanta-se rápido e eu o vejo tão
bonito ainda, alto, esbelto, de rosto bem delineado, emoldurado pelos seus
cabelos já grisalhos. Sinto-o por trás de mim envolvendo-me num abraço que se
repete todos os dias; é como um agradecimento pela opção que fiz alguns anos
atrás. Lá na cidade ficaram: o meu clube, o meu mundo, a Faculdade, a convivência
social, o meu trabalho, a minha filha e a minha neta. Aqui apenas a natureza
esplendorosa, o amor e uma cabana. Lá ficaram todas as minhas amigas, formadas,
chiques, sofisticadas, bonitas, bem cuidadas, independentes e quase todas
separadas. Não houve conciliação entre a emancipação das mulheres e o machismo
dos homens. Senti-me feliz pela decisão que tomei. Tentei viajar sozinha,
estudar de novo, viver livremente, mas não consegui. Estava envolvida demais
com o LU e o seu amor era a coisa mais importante para mim. A felicidade tem um
preço muito alto. Aqui descobri o verdadeiro sentido da vida. Observo a ordenha
das vacas e participo do cultivo das laranjeiras e dos mamoeiros, cujos frutos
já começam a romper as flores brancas que foram fecundadas. Já sei ajudar por
ocasião do nascimento dos bezerrinhos que saltitam endiabrados poucas horas
após o nascimento. Gosto de abrir as torneiras para que a água se projete para
fazer a aspersão todas as manhãs. Aprendi a ouvir o murmúrio do riacho que
corre ligeiro pelo canavial. Quanta felicidade o mundo está perdendo. A
natureza é a nossa riqueza maior e a mestra do nosso eterno aprender. Tanta
coisa nos passam despercebidas e a nossa realidade se enche de vazios. Quanta
beleza de cores e de poesia na despedida do sol … Quantas mensagens de Deus nós
perdemos, nas grandes cidades, iluminadas pelo progresso, que nos chega através
de uma nesga de luar. Aqui se vive a dimensão do universo. Aqui me tornei poeta
ao entrar em contato com as coisas mais simples. A vida me ensinou que a
felicidade é uma partilha do amor.
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