"Iracema" - Resumo e análise do livro de
José Alencar
Escrito em prosa poética, esse romance é um dos principais
representantes da vertente indianista do movimento romântico e traça uma
espécie de mito de fundação da identidade brasileira
Diferentemente do que ocorre em outros
romances de José de Alencar, como O Guarani, o enredo
de Iracema é aberto a interpretações. A
relação entre Martim e Iracema significa a união entre o branco
colonizador e o índio, entre a cultura européia, civilizada, e os valores
indígenas, apresentados como naturalmente bons. É uma espécie de mito de
fundação da identidade brasileira.
Ainda menino, Alencar fez uma viagem
pelo sertão. A experiência dessa viagem de garoto seria constantemente evocada
pelo futuro escritor em seus romances, com imagens e impressões da exuberante
natureza brasileira. Alguns espaços merecem destaque por ser palco de
importantes acontecimentos desse romance: o campo dos tabajaras, onde fica a
taba do pajé Araquém, pai deIracema; a taba de Jacaúna, na terra dos
potiguaras (ou pitiguaras); a praia em que vivem Martim e Iracema e onde nasce Moacir.
IMAGENS
E METÁFORAS
Uma das grandes habilidades de Alencar
está em representar o pensamento selvagem por meio de uma linguagem cheia de
imagens e de metáforas. Sabe-se que as sociedades que não avançaram no terreno
da lógica argumentativa (que pressupõe noções científicas básicas) têm em
contrapartida grande riqueza no plano mitológico. Elas se valem dos mitos e das
histórias para explicar o mundo.
O pensamento do selvagem é imagético e,
por isso, está muito próximo da poesia. Vê-se nesse ponto como o autor soube
unir forma e conteúdo. De outro modo seria difícil caracterizar a linguagem do
índio sem prejuízo da verossimilhança.
BASE
HISTÓRICA
A narrativa inicia-se em 1608, quando
Martim Soares Moreno é indicado para regularizar a colonização da região que
mais tarde seria conhecida como Ceará.
José de Alencar era leitor
assíduo de Walter Scott, criador do romance histórico, e foi influenciado por
esse escritor. Como em vários romances de Alencar, Iracema mistura ficção e
documento, com enredo que toma como base um argumento histórico. Essa junção se
deve também ao projeto de criação de uma literaturanacional, no qual
Alencar e os demais escritores românticos do seu tempo estavam fortemente
empenhados.
Ainda quanto ao aspecto histórico, que o
autor levou em conta ao compor a obra, ressalte-se que os índios potiguaras
(habitantes do litoral) eram aliados dos portugueses, enquanto os tabajaras
(habitantes das serras cearenses) eram aliados dos franceses.
ENREDO
A primeira cena antecipa o fim do
livro, o que reforça a unidade da obra: Martim e Moacir deixam a costa do Ceará
em uma embarcação, quando o vento lhes traz aos ouvidos o nome deIracema.
No segundo capítulo, a narrativa
retrocede no tempo até o nascimento de Iracema. A personagem é então apresentada ao
leitor: “Virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa
da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira”. A índia é descrita como
uma linda e excelente guerreira tabajara, “mais rápida que a ema selvagem”. Por
isso mesmo, sua reação ao avistar o explorador Martim é desferir-lhe uma
flechada certeira. Essa é também uma referência à flecha de cupido, já que,
desde o primeiro olhar trocado pelos personagens, se percebe o amor que
floresce entre os dois.
Martim desiste de atacar a índia assim
que põe os olhos nela.Iracema, por sua vez, parece
atirar a flecha por puro reflexo, pois logo depois se arrepende do gesto e salva
o estrangeiro, levando-o até sua aldeia.
Martim é recolhido à aldeia pelo pajé
Araquém, pai de Iracema, e apresenta-se a ele como um aliado
de seus inimigos potiguaras que se perdera durante uma caçada. O pajé o trata
com grande hospitalidade e garante hospedagem, mulheres e a proteção de mil
guerreiros.
Iracema oferece mulheres
a Martim, que prontamente as recusa e revela sua paixão por ela. O amor de
Martim é cristão, idealizado. O de Iracema também, mas por
motivo diverso: ela guarda o segredo da jurema, por isso precisa manter se
virgem. Esse é o estratagema que Alencar utiliza para transpor o amor romântico
europeu às terras americanas. Uma índia, criada fora dos dogmas cristãos, não
teria motivos para preservar sua virgindade.
AMOR
PROIBIDO
As proibições reforçam ainda mais o
amor entre a índia e o português. São as primeiras de muitas provações que tal
união terá de enfrentar. Em linhas gerais, o romance estrutura-se no embate
entre tudo o que une e o que separa os dois amantes.
Irapuã é o chefe guerreiro tabajara e
funcionará, no esquema narrativo da obra, como um antagonista de Martim. Na
primeira desavença entre os dois, o velho pajé Andira, irmão de Araquém,
intervém em favor do estrangeiro. Iracema pergunta ao amado o motivo de sua
tristeza e, percebendo que ele tinha saudade de seu povo, pergunta se uma noiva
branca espera pelo seu guerreiro. “Ela não é mais doce do que Iracema”, responde Martim. Irapuã nutre amor
não correspondido pela virgem e logo reconhece no português um inimigo mortal.
Iracema conduz Martim ao
bosque sagrado, onde lhe ministra uma poção alucinógena. O guerreiro branco
delira, e a índia adormece entre os seus braços.
Enquanto isso, Itapuã continua
alimentando planos para se livrar do estrangeiro. O amor entre os protagonistas
parece impossível de se concretizar, por isso Martim é coagido por Iracema a voltar para sua terra. Caubi,
irmão de Iracema, acompanha-os. No caminho de volta,
porém, são atacados por guerreiros liderados por Irapuã. Martim, Iracema e Caubi refugiam-se na taba do
pajé Araquém, que usa de um truque para salvar o português da ira do chefe
guerreiro.
Sucede-se o encontro amoroso entre
Martim e Iracema, narrado delicadamente pelo autor.
Martim está inconsciente por ter ingerido a bebida da jurema e a índia deita-se
ao seu lado. A frase “Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras” é a
sutil indicação de que a união amorosa se realizara.
Os acontecimentos que se seguem têm
como pano de fundo a guerra entre potiguaras e tabajaras. Martim escapa de seus
inimigos tabajaras e une-se aos vencedores potiguaras. Iracema, porém, sente-se profundamente triste
pela morte dos entes queridos e não suporta viver na terra de seus inimigos.
O casal muda-se então para uma cabana
afastada, localizada numa praia idílica. Com eles vai Poti, o grande amigo de
Martim. Lá vivem um tempo de felicidade, culminando com a gravidez de Iracema e o batismo indígena de Martim,
que recebe o nome de Coatiabo, ou “gente pintada”. Com o passar do tempo, contudo,
o português se entristece por não poder dar vazão a seu espírito guerreiro e
por estar com muita saudade de sua gente. A bela índia tabajara também se
mostra cada vez mais triste.
Numa ocasião em que Martim e Poti saem
para uma batalha, nasce o filho, Moacir. Quando os dois amigos voltam da
guerra, encontramIracema à beira da morte. O corpo da
índia é enterrado aos pés de um coqueiro, em cujas folhas se pode ouvir um
lamento. Daí vem o nome Ceará, canto de sua jandaia de estimação, uma ave que
sempre a acompanhava.
CONCLUSÃO
Iracema, por amor a Martim,
abandona família, povo, religião e deus. É uma clara referência à submissão do
indígena ao colonizador português. Alguns dizem que o nome Iracema é também um
anagrama de América.
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