sábado, 28 de fevereiro de 2015

A Moça da Montanha – (Páginas 21 a 25)
    Maria Eunice M. M. Aragão

         A moça viveu e conviveu na cidade. Conheceu a sociedade humana, mas não a entendeu. Foi submersa no mundo, mas dele não emergiu. Envolveu-se num emaranhado de ilusões e descobriu a amargura do nada. E o círculo de dissabores foi se fechando e ela morrendo pouco a pouco. A angústia sufocava sua vontade de viver. Debatia-se qual pássaro na gaiola, sem esperança de poder voar. Gritava por liberdade, mas não sabia como encontrá-la. Bateu em todas as portas em busca de uma palavra amiga e só encontrou o silêncio das pedras... Era preciso fugir para bem longe, esquecer a vida que já fora vivida e começar tudo de novo. Mas assaltou-lhe o pensamento de Gandhi: “De que adianta fugir se a minha amargura vai dentro de mim?” Indecisão. Vai… Não vai… A moça estava desencantada e já não podia chorar. Não sabia como vazar a própria alma. A vida estava para explodir, a situação era insustentável. Havia um desencontro dentro de si mesmo. Uma noite a moça olhou para o céu e viu uma estrela. Lembrou-se de Franklin de Oliveira que um dia dissera que também” tinha vontade de abandonar tudo e partir para um lugar perdido no oco do mundo. A ele bastava um pouco de mar, a solidão e um pouco de céu, ainda que, em alguns dias mal humorado e triste. A moça arrumou os seus apetrechos e rumou para as montanhas. Abandonou o mundo que ela mesma criara e que já não suportava. O vento soprava do sul quando ela chegou e um lugar muito bonito, situado entre as montanhas. O céu mergulhava na policromia da tarde e, ao longe, surgia uma lua opaca, triste e fria como a consciência dos homens. A moça sorveu a poesia da tarde, respirou fundo e adormeceu para sonhar… Despertou no meio da noite e escutou o vento da chuva que batia forte no telhado da casa. E consigo pensou: Oh! Chuva bendita! Lava a minh' alma das tristezas que em mim se aninharam. Varre as lembranças fincadas nas dobras do tempo. Afasta esta saudade que eu já não gosto de sentir. Eu quero ver aquilo que o mundo já não pode enxergar. Olha, o mundo  está cego e eu não quero perder a visão do que é belo. Não quero que a minha vida seja uma busca inútil rumo ao desconhecido. Devemos ser felizes, sabendo que o somos. Eu quero fazer um ninho de amor no cume desta montanha. É preciso lutar…
         Quando o dia amanheceu, a moça correu e foi olhar a enxurrada que descia. Águas barrentas, folhas amarrotadas, tronco enegrecido, pedras lodosas, tudo descendo rio abaixo. A moça sentiu uma vontade louca de descer também. Seria tão fácil acabar tudo de uma só vez… Mil vezes morrer do que enfrentar a crueldade do mundo. Hesitou…
         E no silêncio da montanha ela ouviu a voz de GIBRAN: “Cantaste para mim na minha solidão e eu, com vossas aspirações construí uma torre no céu”. E as nuvens passaram lá em cima, formando torres branquinhas, como brinquedos de menina. Vieram as lembranças antigas de uma infância feliz: barquinhos de papel soltos na grota que corriam velozes rentes à calçada. Vieram ainda os sonhos fofos, a ternura de um olhar, a magia de um beijo e o mistério das coisas simples. Ela começou a sua caminhada em busca da simplicidade da rosa nascida no monte. A moça andou, andou muito e começou a sonhar. Ela seria igual a heroína de Anton Ichecov. Sonhar era muito mais gratificante do que aturar a realidade de um mundo sem alma, onde só conta a matéria. Sim, só vale o ter, o ser já não vale nada… Os homens esqueceram-se de que a riqueza interior é muito mais importante que o luxo do carro do ano, a média da conta bancária ou posição social. Todos se acotovelam para alcançar maior “status”. O negócio é subir embora pisando a miséria dos outros. A moça gritou bem alto: “VOCÊS SÃO UNS TOLOS”! VOCÊS SÃO VAZIOS! COVARDES! EU OS ODEIO!
         Quando a moça acordou já era dia alto e o sol dourado aquecia à natureza e a alma do povo. Pela primeira vez a moça sentiu vontade de chorar. Foi um pranto solto, livre, vazando um pouco o seu coração oprimido. Olhou as cumeadas das montanhas e se sentiu gente. Era preciso escalar e chegar àquelas alturas. A moça recebeu mais uma injustiça, mais uma humilhação, mais um desamor. Recebeu tudo com serenidade e foi capaz de sorrir. E na mesma taça que lhe deram fel ela colocou uma rosa e um beijo de amor. Uma noite ela sentiu vontade imensa de andar. O seu espírito aventureiro e a sua alma boêmia anunciavam que era tempo de partir. E ela saiu ladeira abaixo. Não  dera tempo para calçar os chinelos e ela desceu de pés descalços. Andou, andou, andou e quando tomou consciência já pisava as largas calçadas da cidade que um dia ela abandonara. A chuva molhava seus cabelos e as roupas se agarravam em seu corpo, mas a alma estava livre. A cidade estava quieta e parecia dormir. As luzes refletiam-se nas águas com estranha languidez.
         … E a moça fitou a montanha que se perdia na distancia do tempo e transportou-se para além das nuvens, embora sentindo os pés no chão. Quando a madrugada chegou, a moça das montanhas bateu à porta de alguém e com voz serena e ansiosa perguntou: - “Posso entrar?” A porta abriu-se de mansinho e dois braços protetores enlaçaram seu corpo cansado, enquanto os lábios sequiosos celebraram o ritual do perdão.   



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