A DAMA DE CHAPÉU LILÁS
O sol já aquecia a terra
com os raios dourados do amanhecer. Com passos lentos caminhava eu pelas
calçadas ensolaradas quando de repente avistei uma senhora linda, bem vestida,
ostentando um gracioso chapéu lilás. Era talvez uma Lady ou uma miss dos anos 50.
Muito elegante parou em frente à Igreja, exatamente no ponto de ônibus. Por
sorte a condução não demorou a chegar e quase ao mesmo tempo subimos pela porta
da frente. Ao chegar ao meu itinerário ela desceu primeiro, eu desci depois e
seguimos para a mesma clínica. Como a minha consulta foi rápida resolvi
prosseguir a viagem a fim de falar com o meu oftalmologista. Dirigi-me à parada
de ônibus mais próxima e lá estava também a dama de chapéu. Seguimos juntas
novamente e nos sentamos bem perto uma da outra, momento em que pude observar
suas feições delicadas e a beleza de seus olhos da cor do mar. Não trocamos
palavras, pois ela me olhava de uma maneira desprezível. Logo depois descemos
perto de outra clínica. Ao terminar o exame o médico pediu que eu fosse até a
Central de meu plano de saúde a fim de tirar a pré-senha para a realização de
uma pequena cirurgia. Fui e voltei de táxi. De volta para casa, qual não foi a
minha surpresa, ao tomar o ônibus, encontrar a dama de chapéu lilás. Foi um
choque, pois ela me lançou um olhar fulminante e rapidamente trocou de lugar.
Pensei: Meu Deus, o que está acontecendo? Será mesmo uma incrível coincidência?
Para tanto não encontrei explicação. No trajeto percebi que ela estava
assustada, falando ao celular. Olhava para um lado e para o outro, talvez sem
entender, o que estava acontecendo. Mal o ônibus parou em frente a Igreja, ela
desceu rapidamente agarrando o braço de um rapaz que por certo não entendeu o
seu gesto. Às pressas pediu um táxi e ficou a me observar. E eu cabisbaixa
meditava: Meu Deus, que mundo é este? Como é que uma simples coincidência
resulta numa suspeita infundada, até entre
pessoas da terceira idade? Talvez ela tenha pensado que eu fizesse parte
de uma gang ou seria uma informante audaciosa… Estamos vivendo o apocalipse...
Ninguém confia em ninguém. Baixei os olhos e vi as minhas vestes surradas
cobrindo o meu corpo mestiço. Quem sabe? Talvez tenha sido esta a causa da
suspeita e do medo daquela senhora tão linda. E, apesar da claridade do dia e
da agitação da avenida, eu segui o meu caminho com a alma sangrando, esmagada
sob o peso de uma enorme solidão. Neste momento o táxi passou e eu vi, pela
última vez, o vulto distinto da nobre dama de chapéu lilás.
(M. Eunice M.M. Aragão)
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