quinta-feira, 31 de julho de 2014

O Paredão.


A construção do paredão foi uma iniciativa do Dr. Humberto Aragão no ano de 1943, quando Prefeito Municipal de Ipu.
O Paredão, como o próprio nome diz, separava a Praça Abílio Martins da Rua Cel. José Liberalino, intercalado por subidas em degraus, como um elo de união das vias públicas ali separadas.
Na extensão do Paredão existiam além, das escadarias, uns caramanchões de Risos do Prado, dando um colorido dos mais singelos e perfeitos ao ambiente.
A iluminação era feita com postes em estilo Colonial, e no seu capitel um globo leitoso deixando um ambiente lusco - fusco de modo, que se tornava convidativo aos namorados.

Ainda entre uma iluminação e outra um jarro com belas flores decorando o ambiente, dando cada vez mais aquele ar de beleza e romantismo tão característico da época.
O Paredão era romântico, levando-se em conta a forma como foi arquitetado e como era freqüentado, pois a sua disposição propiciava bons momentos para encontros agradáveis e furtivos.
Era bem interessante. A sociedade chamada de Elite, (que nunca existiu), namorava e passeava no Jardim de Iracema.

Já os menos favorecidos, no Paredão. Que discriminação!...Mas o que somos? Filhos de uma miscigenação sem precedentes.

Mistura de tudo. Seria ainda o Paredão um marco que jamais deveria ter desaparecido.

Ele é história, ele fez história, quantos amores, quantas juras de amor ficaram ali sepultadas, quantos desenganos, quantas paixões desfeitas, testemunho mudo de tudo que ouviu e calou.

Paredão das refregas políticas, local dos improvisados palanques para discursos políticos, ouvinte permanente dos protestos contra a iluminação hidráulica que não mais atendia a demanda da cidade.

Nós sentimos saudades de ti, Paredão! De tudo que ouviste e não falou, emudeceu para sempre as incontidas confissões de amor.
Eu falo de ti, Paredão, porque eu sinto saudade, eu sinto que o progresso não ti destruiu, tu foste destruído pelas mãos de quem não ti conheceu e nem te deu valor.



quarta-feira, 30 de julho de 2014

O COMÉRCIO DOS MORRINHOS ANTIGO

Havia três tipos de comércio local, a saber: os armazéns de fumo, que pertenciam a uns poucos abastados que compravam o produto na safra e, às vezes, até mesmo antecipado e por preço vil. Armazenavam-no em grandes depósitos para ser vendido um ano depois por preços até dez vezes maiores. E, por isso, em poucos anos estavam ricos. Eram eles: Chico Casimiro, Argemiro Gonçalves, Zé Cisso e Chico Leitão: esses eram os principais.
Tinha os varejistas que compravam desses magnatas seus produtos e os revendiam nas cidades do sertão. Eram muitos. Semanalmente estavam eles atendendo as praças de Ipú, Reriutaba, Amanaiara, Ipueiras, Pacujá, Mocambo e outras. Eram os feirantes ou fumeiros, como também eram conhecidos. O Chico Casimiro, apesar de armazenista, também vendia fumo direto na cidade de Sobral – isso no atacado. Viviam esses cometas semanalmente nessas cidades citadas, garimpando riqueza e trazendo para engrandecerem os Morrinhos.
Essas formiguinhas prestaram um grande serviço àquela gente, porém houve um que eu destacaria pelo seu altruísmo: Seu Antônio Lucinda – ele mesmo, sacrificando seu trabalho, fazia favor para todos, comprava para aquela gente por encomenda, remédios, calçados, revistas, jornais e tudo que vocês possam imaginar, e sem ganhar nada por isso; levava as cartas de toda aquela população para serem postadas nos correios. Imaginem que até mesmo de Guaraciaba onde também tinha agência dos correios, muita gente o pedia para postar suas cartas em Reriutaba, isso porque, sendo essa as margens da estrada de ferro, tinha malote dos correios seguindo diariamente para Fortaleza.
O comércio local era composto de algumas bodegas, um açougue e um salão de jogos. As bodegas vendiam querosene, sabão em barras, café granulados e pilados, rapaduras, feijão, arroz, toucinho salgado, açúcar, farinha de mandioca, sal marinho, condimentos etc.
Os bodegueiros eram: Antonio Dumingo, Zé Cisso, Pedro Inácio, Antonio Coló e Pitonho, sendo que o Antonio Coló agregava à bodega, um açougue, bois que eram abatidos sob o velho jacarandá tão conhecido de todos. A do Pitonho era composta com o salão de jogos mencionado: tinha um bilhar francês que era locado a C$. 2,40 a hora, também tinha o víspora em que jogavam duque, terno, quadra, quina, inglês e outros tipos de jogos. Em cada partida, o Pitonho tirava uma ficha pela locação do jogo, como a mesa muitas vezes compunha-se de até vinte elementos, em conseqüência eram vinte fichas! Uma não fazia diferença. Acontece que, no final do dia, todos haviam perdido, somente o Pitonho tinha ganhado, pois sua ficha não tinha volta.
Também na vizinha Cachoeirinha que apesar de ser um lugar muito pobre e de poucos moradores, tinha uma bodega e açougue muito bem sucedidos. As razões do sucesso desse comerciante é que ele tinha preços sem competição, também as facilidades que ele oferecia ninguém tinha condições de fazê-las, além de seus preços mais baratos esse comerciante ainda vendia fiado e nem punha no caderno, quase sempre os clientes pagavam, todos gente boa! No entanto se não pagassem não havia problemas. A razão dessa caixa tão folgada estava no fornecedor do açougue, era “o Cumpadi Fulô”.
Eram abatidas até três reis por semana. Todas fornecidas pelo Cumpadi Fulô. Acontece que aquele açougue se situava às margens de uma grande pastagem comum, ali pastavam gado de todo mundo. Até mesmo o do Amadeu Lucinda, que só tinha um boi e fora solto também naquele pasto; disseram-lhe que uma cobra o tinha mordido e em conseqüência havia morrido. Porém como ninguém viu esse boi morto, tenho minhas dúvidas, quem sabe não fora mais um que o cumpadi fulô vendeu para aquele comerciante e… sem minha procuração.
Do livro: “Histórias nos Morrinhos”
De Amadeu Lucinda.
Vida e morte de Antônio Conselheiro



1830 – Nasce Antônio Vicente Mendes Maciel, no dia 13 de março de 1830, na Vila de Quixeramobim, interior do Ceará; então um pequeno povoado perdido em meio à caatinga do sertão central da paupérrima província do “Ceará Grande”. Desde o início da vida, seus pais queriam que Antônio seguisse a carreira sacerdotal, pois entrar para o clero era naquela época uma das poucas “brechas” que os pobres teriam para ascender socialmente. Com a morte de sua mãe, em 1836, a meta de transformar Antônio Vicente em padre vai por água a baixo. Seu pai casa-se novamente; há registros de que a madrasta espancava e maltratava o menino severamente.

1855 – Morre o pai de Antônio, e ele é obrigado a abandonar os estudos e assumir o comércio da família aos 25 anos de idade; malogram de vez quaisquer sonhos sacerdotais.Estes negócios não vão nada bem (mais tarde Antônio será processado devido a não quitação de suas dívidas). Suspeita-se que o jovem Vicente já naquela época promoveria caridade e socorro aos desamparados com os bens da família.

1857 – Antônio casa-se com Brasilina Laurentina de Lima, fogosa e bela jovem filha de um tio do mesmo. No ano seguinte, o jovem casal muda-se para Sobral; quando Antônio Vicente passa a viver como professor do primário, dando aulas para os filhos dos comerciantes e fazendeiros da região, ou como advogado prático, defendendo os pobres e desvalidos a título de pequena remuneração. Passa a mudar-se constantemente, em busca melhores mercados para seus ofícios; primeiro vai para Campo Grande (atual Guaraciaba do Norte), depois Santa Quitéria e finalmente Ipu, então um pequeno povoado localizado bem na divisa entre os sertões pecuaristas e a fértil Serra da Ibiapaba.

1861 -             Flagra a sua mulher em traição conjugal com um sargento de polícia em sua residência na Vila do Ipu Grande. Envergonhado, humilhado e abatido, abandona o Ipu e vai procurar abrigo nos sertões do Cariri; iniciando uma vida de peregrinações pelos sertões do nordeste. A traição da esposa parece que foi o desencadeador de uma mudança de vida para Antônio Vicente Mendes Maciel. Por sua beleza poética, cito aqui trecho de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha: “... foge-lhe a mulher, em Ipu, raptada por um policial (...). Fulminado de vergonha, o infeliz procura o recesso dos sertões, (...) onde lhe não sabiam o nome (...). Prossegue (...) na direção do Crato. E desaparece... Morrera por assim dizer.
...E surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até os ombros, barba inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso, dentro de um hábito azul de brim americano;(...) ao clássico bastão, em que se apóia o passo tardo dos peregrinos...”. (pág. 86).

1876 – Antônio Conselheiro é preso nos sertões da Bahia, pois sua ação evangelizadora revolta ao clero e aos donos de fazendas, que não vêem com bons olhos tantos desocupados e penitentes a ”vagabundear pelos sertões”, seguindo um “embusteiro insano”; acusam-no de “assassinar a esposa e a própria mãe”, por ocasião da descoberta do adultério, no Ipu, anos antes. Para provar que se trata de um farsante, a polícia faz questão de humilhá-lo: com os punhos amarrados a sela de um cavalo, Antônio é obrigado a acompanhar a tropa por quilômetros, andando a pé, sobre um sol abrasador, sem receber água ou comida, e sendo supliciado publicamente. Tal gesto apenas reforçou a áurea de santidade que já existia em torno de seu nome. Remetido para a cidade de Sobral, para sofrer julgamento de seus crimes, Antônio é libertado. O motivo? A esposa, Brasilina encontrava-se vivinha da silva, sendo prostituta na zona do baixo meretrício da cidade; e a mãe morrera quando Antônio tinha apenas seis anos de idade. Tal como ele havia previsto para seus seguidores, meses depois o peregrino retornou triunfante ao mesmo sertão do qual saíra humilhado e supliciado.

1877 -  Neste ano o Nordeste do Brasil conhece uma das mais calamitosas secas de sua história; levas de flagelados perambulam famintos pelas estradas em busca de socorro governamental ou de ajuda divina; bandos armados de criminosos e flagelados promovem justiça social “com as próprias mãos” assaltando fazendas e pequenos lugarejos, pois pela ética dos desesperados “roubar para matar a fome não é crime”. É neste momento que a figura do penitente de Quixeramobim ganha notoriedade entre os sertanejos pobres; para estes, Antônio Conselheiro, ou o “Bom Jesus”, como também passou a ser chamado,seria uma figura santa; um profeta enviado por “Deus” para socorrê-los no “fim do mundo”: “A sua entrada nos povoados, seguida pela multidão contrita, em silêncio, (...) era solene e impressionadora (...); e durante alguns dias, eclipsando as autoridades locais, o penitente errante e humilde monopolizava o mando, fazia-se autoridade única.” (pág. 89)., diz-nos ainda Euclides de Cunha.
            Em sua peregrinação pelos sertões é ele acompanhado por grande número de penitentes.Muitas fazendas são abandonadas pelos trabalhadores agregados; em muitos povoados a população deixa as preces dos vigários católicos para seguirem os ensinamentos do “Bom Jesus Conselheiro”. Isso irrita o clero, os fazendeiros e as autoridades.  

1888 – Fim da escravidão; muitos ex-escravos, agora livres, partem em busca de Conselheiro acreditando que com ele estariam melhores do que nas terras dos fazendeiros tradicionais.

1889 – Cai a monarquia nacional e instala-se a República; nasce aí o casamento civil, o registro civil e ocorre a separação definitiva entre a igreja e o Estado. O novo governo, sedento de realizações, autoriza as Câmaras de vereadores a cobrarem impostos dos feirantes e pequenos lavradores pobres em todo o país; isso inviabiliza a sobrevivência dos pequenos feirantes, pois o imposto é cobrado por dia de exposição, independentemente de ser vendido ou não. Para Conselheiro e seus seguidores, apenas um governo “abençoado pela Santa igreja” teria legitimidade. Daí porque ele e seus adeptos destruíram as tabuletas da cobrança de impostos em Bom Conselho.

1893 – Cansado de tanto peregrinar pelos sertões e agora sendo um “fora da lei”, Conselheiro decide se fixar numa fazenda abandonada às margens do rio Vaza Barris. Nasce ali uma experiência extraordinária: em Belo Monte (ou Canudos, como ficou mais conhecida), os desabrigados do sertão e as vítimas da seca eram recebidas de braços abertos pelo peregrino; lá todos comiam, bebiam e trabalhavam sem sofrer as agruras dos capatazes das fazendas tradicionais. Era uma comunidade igualitária, “um lugar santo”, segundo os seus adeptos, em que os recém instalados recebiam comida, água, uma pequena roça e uma casinha de taipa para morarem. Em canudos os famintos encontravam a ajuda e a assistência que não encontravam no restante do nordeste.

1896 – Ocorre o episódio que desencadeia a Guerra de Canudos: em 24 de novembro deste ano, é enviada a primeira expedição militar contra Canudos, mas a tropa é massacrada em Uauá, pelos “fanáticos” de Antônio Conselheiro. 29 de dezembro de 1896, tem início a segunda expedição militar contra Canudos. Assim como a primeira, esta expedição fora facilmente debelada pelos Conselheiristas.
    
1897 – Tem início a terceira expedição contra Canudos; Comandada pelo Capitão Antônio Moreira César, conhecido como “o Corta-Cabeças”, por suas façanhas “heróicas” na Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul. Mas, acostumado aos combates tradicionais, Moreira César não estava preparado para eliminar Canudos; graças a seus erros, os conselheiristas foram abastecidos por grande quantidade de armas e munições. Por fim, envergonhado pela primeira derrota humilhante, o próprio Moreira César fora abatido pelos jagunços de Canudos.

05 de abril de 1897, tem início aí a quarta e última expedição contra Canudos; desta vez o cerco fora implacável; não foram poupados nem os que se rendiam; eliminar Canudos e seus “fanáticos habitantes” tornou-se uma questão de honra para o exército. Mesmo os que se rendiam eram covardemente executados.

22 de outubro de 1897, morre Antônio Conselheiro, vítima de ferimentos causados por uma granada, tendo também contraído diarréia. Canudos é destruída totalmente; sua população dizimada. A cabeça de Antônio Conselheiro é cortada e levada até a faculdade de Salvador, para que a ciência estudasse os traços raciais que, segundo se acreditava na época, predispunha-o para a demência, o crime e o fanatismo.

Bibliografia.
Cunha, Euclides da. Os Sertões; 1866 – 1909.Os Sertões;- Campanha de Canudos)-17ª ed.-Rio de Janeiro.Ediouro, 1995.
Paro, Iana Cossoy: Antônio Conselheiro. Ver. Caros Amigos; Rebeldes Brasileiros; fascículo 2. Ed. Casa Amarela, S. P. Sem data de publicação.
Postado por Raimundo Arcanjo às 18:41 

terça-feira, 29 de julho de 2014


E ASSIM DEUS FEZ A MULHER
Amadeu Lucinda


No princípio, Deus criou o mundo. O céu, o mar, a terra e, tudo que nela existe. Por fim criou o homem. E para que esse não ficasse só; quis Deus dar-lhe uma companhia. Mas, como havia empregado todo o material que possuía. O Onipotente entristeceu e deixou-se cair em profunda meditação. E ao despertar, tirou do mundo o necessário e, FEZ A MULHER.
Tirou da Lua o seu langor; do Mar a profundidade; das Ondas, o fluxo e refluxo; (o movimento) das Estrelas, a luminosidade; dos raios do Sol, o calor; do Orvalho, as lágrimas; do Vento, volubilidade; das Folhagens, o movimento; das Rosas o perfume; do farfalhar das Árvores, o lamento; da Brisa, a meiguice; do Vinho, o sabor; do Mel, o gosto; do Diamante, o brilho; da Serpente, a sabedoria; do Camaleão, a mutabilidade; do Escorpião, o ferrote; do Pavão, a vaidade; do Leão, a ferocidade; da Raposa, a astúcia; dos olhos da Gazela, a timidez; do Coelho, o espanto; do Papagaio, a palrice; e do Tempo a inconstância.
Deus juntou esses elementos e deles, Fez a Mulher...
E entregou ao homem. Passado uma semana, o homem procurou o Criador e, disse-lhe: meu Deus! A mulher que me destes, envenenou minha vida, roubou meu sossego, fala sem cessar, chora sem motivos, seus pedidos não tem fim. Livre-me dela; eu te suplico! E Deus ficou com a mulher.
Passado quinze dias; o homem volta ao Criador e, dizendo: Meu Deus! Meu Deus! A solidão é uma desgraça; é desagradável. A vida sem a mulher é vazia e triste. Ela me dava coragem para enfrentá-la. Devolva-me. Eu te rogo!...
E, Deus devolveu-lhe a mulher. Corrido seis dias, o homem volta novamente ao Criador; chorando e suplicando. Meu Deus, a mulher não entende meus sentimentos; não me dá sossego!!! Deus irritou-se e disse: estou farto de tuas queixas. Leva a mulher contigo e não me volte mais! 
Não posso viver com ela, disse o homem.
Não podes viver sem ela, disse o Criador.
E o homem levou a mulher, resmungando e repetindo entre soluços e suspiros: que infeliz que eu sou! Não posso viver com ele e não posso viver sem ela1

Do livro: “Fragmentos de Uma Oficina Acadêmica” de Amadeu Lucinda.
ELUCUBRAÇÕES CEREBRINAS

João Santos da Rocha era um poço de desilusão. Julgava-se um fracasso em tudo na vida. Tinha trabalho, dois diplomas, amigos, casa própria, carro novo na garagem, contas pagas, mas tudo no mundo o entediava. Dividia a casa com Calçado, seu confidente cachorro vira-latas. Depois que flagrou a namorada de infância aos beijos com o desafeto da escola, resolveu nunca mais confiar nas mulheres. Quando a insônia e a falta de apetite se lhe apresentaram no rosto encarquilhado refletido no espelho, procurou finalmente se aconselhar com um colega de trabalho. 
– O que você acha que eu devo fazer, Cardoso? 
– Tá na hora de tu arranjar uma mulher, homem! 
João julgava que uma mulher seria mais um agravo do que uma solução para os seus problemas. Teve contrariado que se socorrer de um médico, que, com o resultado dos exames, lhe prescreveu um calmante natural, a mudança de hábitos e uma dieta macrobiótica. 
Depois de uma leve melhora, as inquietações medonhas recrudesceram. Quando soube que Calçado fora acometido pela hidrofobia e que devia ser sacrificado, começou a nutrir a ideia de seguir o mesmo destino do seu sorumbático animal de estimação. 
Com a licença médica no emprego, pôs-se a caminhar dia e noite detido em devaneios e elucubrações cerebrinas. Seu mundo era um labirinto indecifrável, cinzento, sem cheiro e sem sabor. Desejava dar cabo àquele sofrimento sem fim. 
Certo dia tomou coragem e armou uma corda na goiabeira do quintal. Foi ao banheiro, encarou seu rosto sofrido no espelho, respirou fundo e, antes de cruzar a soleira, abandonou o plano suicida, ao avistar Calçado solto no quintal, debatendo-se num acesso furioso da hidrofobia, e ficar com medo de levar uma mordida do animal... 
João Santos da Rocha procurava respostas para suas muitas perguntas e, como não as encontrasse, cada vez mais se considerava no fundo de um poço sombrio. Num passeio pela beira-mar, porém, ficou surpreso com um sujeito na areia da praia que, sem nenhum dos braços, parecia ensaiar os requebros de uma dança inaudível. João, cuja sanidade física sempre fora impecável, foi ao encontro do sujeito para tentar desvendar a razão de tamanha felicidade.
– Ó, moço, diga-me o que lhe faz tão feliz, mesmo lhe faltando ambos os braços? 
– Feliz? Mas que felicidade, moço?! Se eu estou é querendo coçar o ás e não posso?!
Três meses mais tarde, sem Calçado, mas com Sovela, sua nova cadela, João, em franca convalescença, resolveu pedir a veterinária em noivado.

Eliton Meneses
INTELIGÊNCIA À SEU SERVIÇO

O único ser, na escala dos animais com capacidade para pensar, raciocinar, emitir o livre arbítrio e comunicar-se com seu semelhante pelo dom da palavra: o homem.
Paradoxalmente, quanto a sua estrutura física e biológica, é um dos animais mais fracos do planeta. É somente tomarmos como exemplo a maioria dos mamíferos: o cavalo, o cabrito e tantos outros que, após alguns minutos de seus nascimentos, já estão de pé, saem correndo e lutando pela vida. O homem não. Muitas vezes, até mesmo para chorar ao nascer e encher os pulmões de ar, dando início à vida exterior, precisa levar um sacode do médico.
Para compensar essa diferença, para sobreviver e para dominar os outros animais, ele retira de sua inteligência toda a força que precisa, numa afirmação da vitória da mente sobre a força física. Foi assim que o homem conseguiu: dominar, subjugar e domesticar animais com porte físicos superior ao seu em dezenas de vezes, mas sem ter estes o dom da inteligência.
No entanto, inteligência é faca de dois gumes: se por um lado garante a supremacia sobre os outros animais, por outro lado desenvolve uma série de aberrações psicológicas, que refletem em sua saúde física e mental, já tão fraca como mencionei. Na ânsia de novas sensações, enveredam pelo mundo das drogas: tabagismo, álcool e tantas…
O médico é um ser que emprega a inteligência a serviço do bem. Muitas doenças que levamos a ele, sabe o médico que a culpa é toda nossa. E, como Cristo, que pediu: “Pai, perdoa-os; eles não sabem o que fazem”. Ele cura nossas mazelas, muitas vezes, sem nos dar um pito.
Faça de seu médico um amigo, e conte com essa inteligência a seu serviço.

Do livro: “O Anjo da Noite e Outros Contos”

De Amadeu Lucinda.
Dr. Egberto Martins - médico
O TOCADOR DE PÍFANO

Na década de quarenta, nas quebradas da Serra da Ibiapaba, entre Campo Grande e Santa Cruz, hoje Guaraciaba do Norte e Reriutaba respectivamente, no estado do Ceará, morava um sujeito inusitado.
Era o João Moreira: baixinho, quase anão, gostava de tomar uma pinga, mas era um artista nato, de uma habilidade incomum. Ele fabricava pífano.
Ele vivia embrenhado nas matas a procura de taquara, é uma espécie de bambu, a única que serve para fazer pífano.
Ele o construía de forma artesanal, mais eram perfeitos, de uma sonoridade sem igual. Moreira também tocava o tal instrumento com grande habilidade.
Durante a semana, ele conseguia fazer até trinta pífanos que eram vendidos em Reriutaba a duzentos réis, hoje RS 0,20 (vinte centavos). Sexta-feira à noite ou sábado de madrugada, lá ia ele rumo a vender seus pífanos, saía tocando um pelo meio da feira para chamar atenção dos futuros fregueses.
Se Moreira conseguisse vender todos no fim da feira, teria seis mil réis hoje seis reais.
Aí tomava umas pingas, ficava bêbado, comprava algumas coisas para casa, como, por exemplo, rapadura, café e etc. Não dava para comprar muita coisa, para vocês terem uma idéia do preço da época, um quilo de carne com osso custava dois mil e oitocentos réis, hoje dois reais e oitenta centavos.
O dinheiro do Moreira nunca sobrava para comprar uma roupa, portanto a que usava era só remendo, o resto todo era rasgão. Um dia chegou a Reriutaba um representante de uma firma de São Paulo que ia fazer a praça, viu o Moreira tocando seu pífano com uma sonoridade de chamar atenção de Beethoven.
Parou, ouviu e se aproximou de Moreira. Este logo o ofereceu um pífano para o desconhecido. O viajante comprou um, e pagou pelo mesmo o equivalente a vinte centavos.
O desconhecido metendo a mão no bolso tirou a carteira de notas e, tirando uma nota de cinqüenta mil réis, deu para o Moreira dizendo:
- Vá e compre uma roupa para você cobrir suas carnes e também para sua família. Faça sua feira. Pelo menos desta vez você vai levar o que comer para sua família.
Ficou muito feliz e ao entrar em uma bodega, contando com euforia o acontecido, um gaiato disse:
- Moreira, você recebeu este dinheiro daquele homem? Aquele é um comunista!!! Você com este dinheiro do comunismo na mão, você vai direto para o inferno.
Arregalou os olhos e saiu a procura do desconhecido e, quando o encontrou, devolveu o dinheiro, dizendo:
- Você pensa que compra minha alma com este dinheiro? Você é comunista! - e jogou o dinheiro em cima do homem. O moço tentou em vão convencê-lo de que não era comunista, e, mesmo que fosse, o dinheiro não.
Mais ele estava decidido, morreria de fome, mas dinheiro de comunista, nunca.
Contei esta história real, para vocês verem a força de uma cultura.
Do livro: “O Anjo da Noite e Outros Contos” de Amadeu Lucinda.
Vale a pena relembrar:

NÃO TROCO MEU OXENTE PELO OK DE NINGUÉM Ariano Suassuna

Esse tal de rocambole
Esfirra, nissin, miojo
Quer-me ver cuspi com nojo
Ofereça-me um rizole
Prefiro uma fruta mole
Beliscada do vem-vem
Feijão de corda xerem
Canjica com leite quente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém


II
Tomar wiski importado
Na taça pra ser bacana
Sou mais um gole de cana
Num caneco enferrujado
Não sou muito refinado
Nem tenho inveja também
Druris conhaque almadem
Prefiro minha aguardente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém


III
Esses verbetes do inglês
Que usam no dia a dia
Não me trazem simpatia
Estragam meu português
Vou ser sincero a vocês
Sou muito mais meu quinem
Adonde, prumode, eim?
Acho mais inteligente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém


IV
Eu não falo REDBUL
Prefiro touro vermelho
MIRROR pra mim é espelho
BLUE BIRD pássaro azul
Bonito e não BEAUTIFUL
Falo dez em vez de TEN
BABY pra mim é neném
E HOT pra mim é quente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém
V
Não gosto de pancadão
Nem de RAP improvisado
HIP HOP pé quebrado
Sem métrica e sem oração
Sou muito mais gonzagão
No forro do xem nhem, nhem
Gosto de aboio e também
De um baião de repente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém

Ariano Suassuna, brasileiro, nordestino e cidadão do mundo

segunda-feira, 28 de julho de 2014


SUGESTÕES PARA RUAS DA CIDADE DE IPU


Para que acabe com a denominação de Ruas de forma aleatória e abusiva, sugerimos ao Sr. Presidente da Câmara Municipal alguns nomes que poderão nominar as nossas ruas condignamente.São personalidades que muito contribuíram para a nossa formação moral, social e intelectual.

1.         Rua Zezé do Vale (Busto)
2.         Rua Maestro Raimundo do Vale
3.         Rua Prefeito Dr. Rocha Aguiar.
4.         Rua Cantor Wilson Lopes
5.         Rua Cronista Milton Dias
6.         Rua Escritor Francisco Magalhães Martins
7.         Rua Historiador e Poeta Osvaldo Araújo
8.         Rua Historiador Antonio Marrocos Araújo
9.         Rua Prefeito Zeferino de Castro
10.     Rua Dr.Raimundo Justo Ribeiro
11.     Rua Prefeito Joaquim de Oliveira Lima
12.     Rua Dr. Felix Corrêa Aragão
13.     Rua Profª Maria da Conceição Assis Araújo.
14.     Rua Profª Carmosina Xerez
15.     Rua Vicente Belém Rocha
17.     Rua Francisco das Chagas Paz
18.     Rua Jerônimo de Azevedo e Sá
19.     Rua Obstetra D. Rosa Amélia de Paiva.
20.     Rua Maestrina Valderez Soares
21.     Rua Profª Dulce Martins
22.     Rua Inspetor Manoel Bessa Guimarães
23.     Rua Profª Otilia Cabral Aragão
24.     Rua Pedro Pinheiro Teles
25.     Rua Prof. Heleno Gomes de Matos.
26.     Rua Deputado José Martins Timbó
27.     Rua Profª Carmelia Passos
28.     Rua Dr. Francisco Waldir Araújo
29.     Rua Dr. Plínio Pompeu
30.     Rua Pe. José Lourenço Aragão Araújo
31.     Rua Joaquim Soares de Paiva
32.     Rua Joaquim Sebastião Ferreira
33.     Rua Mons. Antonino Cordeiro Soares
34.     Rua Dr. Tomás Corrêa Aragão
35.     Rua Dr. Nildomar Pontes.
36.     Rua Adersom Magalhães
37.     Rua Deputado Aquiles Peres Mota
38.     Rua Prof. Antonio Sólon de Farias
39.     Rua Vereador Helder Marcelo Pinho Belém Rocha
40.     Rua José Iran Pinho Belém Rocha
41.     Rua Dr. Gerardo Camelo Madeira
42.     Rua José Itamar Mourão
43.     Rua Cônego Francisco José Aragão e Silva
44.     Rua Gerardo Aires de Souza
45.     Rua Profª Valdemira Coelho

Na certeza de que V.Exa. Providenciará as devidas e lógicas posições do nosso intento, para que em breve possamos nomina-las merecidamente com os nomes que sugerimos acima para as nossas Artérias,

Atenciosamente,

Francisco de Assis Martins
Departamento de Cultura do Município


Ipu, 30 de janeiro de 2002.