Carlos Gomes
nasceu em Campinas e ficou
conhecido por Nhô Tonico, 2 nome com que
assinava, até, suas dedicatórias. Nasceu numa segunda-feira numa humilde casa
da Rua da
Matriz Nova,4 na
"cidade das andorinhas". Foram seus pais Manuel José Gomes (Maneco Músico) e dona Fabiana Jaguari
Gomes.5
A vida de
Antônio Carlos Gomes foi, sempre, marcada pela dor. Muito criança ainda, perdeu
a mãe, tragicamente, assassinada aos vinte e oito anos.6 Seu pai vivia
em dificuldades, com diversos filhos para sustentar. Com eles, formou uma banda
musical, onde Carlos Gomes iniciou seus passos artísticos. Desde cedo, revelou
seus pendores musicais, incentivado pelo pai e depois por seu irmão, José Pedro
de Sant'Ana Gomes, fiel companheiro das horas amargas.6
É na banda do pai, que
mais tarde Carlos Gomes viria a substituir,7 que ele vai
fazer, em conjunto com seus irmãos, as primeiras apresentações em bailes e em
concertos. Nessa época, Antônio Carlos Gomes alternava o tempo entre o trabalho
numa alfaiataria costurando calças e paletós, e o aperfeiçoamento dos seus
estudos musicais.
Aos quinze
anos de idade, compõe valsas, quadrilhas e polcas. Aos dezoito
anos, em 1854, compõe a primeira Missa, Missa de São Sebastião,2 dedicada ao
pai e repleta de misticismo. Na execução cantou alguns solos. A emoção que lhe embargava a voz comoveu a todos os
presentes, especialmente ao irmão mais velho, que lhe previa os triunfos. Em 1857, compõe a modinha Suspiro d'Alma com versos do
poeta romântico português Almeida
Garrett.2
Ao completar
23 anos, já apresentara vários concertos, com o pai. Moço ainda, lecionava
piano e canto, dedicando-se, sempre, com afinco, ao estudo das óperas,
demonstrando preferência por Giuseppe
Verdi.8 Era conhecido
também em São
Paulo, onde realizava, frequentemente, concertos, e onde
compôs o Hino Acadêmico,2 ainda hoje
cantado pela mocidade da Faculdade
de Direito. Aqui, recebeu os mais amplos estímulos e todos, sem
discrepância, apontavam-lhe o rumo da Corte, em cujo conservatório poderia
aperfeiçoar-se. Todavia, Carlos Gomes não podia viajar porque não tinha
recursos.
Em 4 de setembro de 1861, foi cantada, no Teatro da Ópera Nacional, A Noite do Castelo,5 o primeiro trabalho
de fôlego de Antônio Carlos Gomes, baseado na obra de Antônio Feliciano de Castilho9 . Constituiu uma
grande revelação e um êxito sem precedentes, nos meios musicais do País. Carlos
Gomes foi levado para casa em triunfo por uma entusiástica multidão, que o
aclamava sem cessar. O Imperador, também entusiasmado com o sucesso do jovem
compositor, agraciou-o com a Imperial Ordem da Rosa.7
Carlos Gomes conquistou
logo a Corte. Tornou-se uma figura querida e popular. Seus cabelos compridos
eram motivo de comentários, e até ele ria das piadas. Certa vez, viu um
anúncio, que fora emendado: de "Tônico para cabelos", fizeram
"Tonico, apara os cabelos!". Virou-se para seu inseparável
amigo Salvador de Mendonça e disse, sorrindo: -
Será comigo? Francisco Manuel costumava dizer, a respeito do jovem musicista:
"O que ele é, só a Deus e a si o deve!"
A saudade de sua querida
Campinas e de seu velho pai atormentava-lhe o coração. Pensando também na sua
amada Ambrosina, com quem namorava, moça da família Correia do Lago, Carlos
Gomes escreveu essa joia que se chama Quem sabe?, de uma poesia de Bittencourt Sampaio, cujos versos
"Tão longe, de mim distante… " ainda são cantados pela nossa geração.
Dois anos depois desse
memorável triunfo, Carlos Gomes apresenta sua segunda ópera, Joana de Flandres, com libreto de Salvador de Mendonça, levada à cena em 15 de setembro de 1863.5
Como corolário do êxito,
na Congregação da Academia
Imperial de Belas Artes, foi lido um ofício do diretor do Conservatório de Música, comunicando
ter sido escolhido o aluno Antônio Carlos Gomes para ir à Europa, às expensas
da Empresa de Ópera Lírica
Nacional, conforme contrato com o Governo Imperial1 . Estava, assim,
concretizada a velha aspiração do moço campineiro, que, mesmo comovido, ao ir
agradecer ao Imperador a magnanimidade, ainda se lembrou do seu velho pai e
solicitou para este o lugar de mestre da Capela Imperial. Dom Pedro II, enternecido ante aquele gesto de amor filial,
acedeu.9
O Imperador preferia que
Carlos Gomes fosse para a Alemanha, onde pontificava o grande
Wagner, mas a Imperatriz, Dona Teresa Cristina, napolitana, sugeriu-lhe
a Itália.
A 8 de novembro de 1863,10 o estudante partiu, a
bordo do navio inglês Paraná, entre calorosos aplausos dos amigos e
admiradores, que se comprimiam no cais. Levava consigo recomendações de Dom
Pedro II para o Rei Fernando, de Portugal, pedindo que apresentasse
Carlos Gomes ao diretor do Conservatório de Milão, Lauro Rossi. O jovem compositor passou por Paris,
onde assistiu a alguns espetáculos líricos, mas seguiu logo para Milão.1
Lauro Rossi, encantado com
o talento do jovem aluno, passou a protegê-lo e a recomendá-lo aos amigos.
Em 1866, Carlos Gomes recebia o
diploma de mestre e compositor e os maiores elogios de todos os críticos e
professores.5 A partir
dessa data, passou a compor. Sua primeira peça musicada foi Se sa minga, em dialeto milanês, com
libreto de Antonio Scalvini, estreada, em 1 de janeiro de 1867, no Teatro Fossetti. Um
ano depois, surgia Nella Luna,
com libreto do mesmo autor, levada à cena no Teatro Carcano.
Carlos Gomes já gozava de
merecido renome na cidade de Milão, grande centro artístico, mas continuava
saudoso da pátria e procurava um argumento que o projetasse definitivamente.
Certa tarde, em 1867, passeando pela Praça do Duomo, ouviu um garoto
apregoando: "Il Guarany! Il Guarany! Storia interessante dei selvaggi del
Brasile!" Tratava-se de uma péssima tradução do romance de José de Alencar,
mas aquilo interessou de súbito o maestro, que comprou o folheto e procurou
logo Scalvini, que também se impressionou pela originalidade da história9 . E, assim,
surgiu O Guarani, que
apesar de não ser a sua maior nem a melhor obra, foi aquela que o imortalizou.
A noite de estréia da nova ópera foi 19 de
março de 1870.11
Não há quem não conheça os
maravilhosos acordes de sua estupenda abertura. A ópera ganhou logo enorme
projeção, pois se tratava de música agradável, com sabor bem brasileiro, onde
os índios tinham papel de primeiro plano. Foi representada em toda a Europa e
na América do Norte.
O grande Verdi, já glorioso e consagrado, teria dito de Carlos
Gomes, nessa noite memorável: "Questo
giovane comincia dove finisco io!" ("Este jovem começa de onde
eu termino!").
E, na noite de 2 de dezembro de 1870, aniversário
do Imperador D. Pedro II, em grande gala, foi estreada a ópera no Teatro Lírico
Provisório, no Rio de Janeiro. Os principais trechos foram cantados por
amadores da Sociedade Filarmônica9 . O maestro viveu
horas de intensa consagração e emoção. Depois, O Guarani foi levado à cena nos dias 3 e 7 de dezembro,
sendo que, nesta última noite, em benefício do autor. Nesta data, o maestro
ficou conhecendo André Rebouças. Após o espetáculo, houve
uma alegre marche au flambeaux,
com música, até ao Largo da
Carioca, onde estava hospedado Carlos Gomes, em casa de seu amigo Júlio de
Freitas. Por intermédio de André Rebouças, o compositor foi apresentado ao
ministro do Império, João Alfredo Correia de Oliveira, em sua casa, nas Laranjeiras.1 Em 1871, a 1º
de janeiro, Carlos Gomes vai a Campinas, visitar seu irmão e protetor José
Pedro Santana Gomes. Em 18 de
fevereiro, com André Rebouças, despede-se do Imperador, em São Cristóvão. E, no
dia 23, segue para a Europa
Na Itália, Carlos Gomes
casou-se com Adelina Péri,2 que devotou
toda sua vida ao maestro. Desse consórcio, nasceram cinco filhos,6 muito amados
pelo compositor. Todavia, um a um foram morrendo em tenra idade, tendo restado
somente Ítala Gomes Vaz de Carvalho, que escreveu um livro, em que honrou a
memória do seu glorioso pai. Na península, Carlos Gomes escreveu, a
seguir, Fosca, considerada por ele sua
melhor obra, Salvador Rosa eMaria Tudor.
Busto em Homenagem a Carlos Gomes Em Frente ao Teatro Municipal de
Paulinia.
Em 1866, recebeu Carlos
Gomes, de novo no Brasil, uma justa consagração na Bahia, onde, a pedido do grande pianista
português, Artur Napoleão, compôs o Hino a Camões, para o Quarto
Centenário Camoniano, executado simultaneamente ali e na Corte, com grande
sucesso.
Carlos Gomes, porém, não
mais perseguia somente a glória. Abalado por seguidos e profundos desgostos,
doente, desiludido, procurava uma situação que lhe permitisse viver em sua
pátria e ser-lhe útil. Seu estado, contudo, era mais grave do que supunha.
De volta à Itália, compôs a
grande ópera Lo Schiavo,
que entretanto, por vários motivos, não pôde ser representada ali. Foi levada à
cena, pela primeira vez, em 27 de
setembro de 1887, no Rio de Janeiro, em
homenagem à Princesa
Isabel, a Redentora, com esplêndido sucesso. Interessante dizer que a abertura
desta ópera, Alvorada, foi composta na Ilha de Paquetá, no Município do Rio de
Janeiro, onde se encontra um busto de Carlos Gomes, pouco conhecido.
O Teatro alla Scala de Milão
Detalhe do monumento-túmulo: a cantora lírica Maria Monteiro foi a
modelo utilizada para a representação alegórica da cidade de Campinas
Detalhe do monumento-túmulo
Em 3 de fevereiro de 1891, outra vez na Itália, Carlos Gomes estreia,
no Scala de
Milão, a ópera Condor,
com grande êxito, pois, nessa peça, apresentara uma nova forma, muito mais
próxima do recitativo moderno.
O tumor maligno na língua e
garganta que o levaria ao túmulo, nessa época, fazia-o sofrer dolorosamente.
Todavia, as desilusões, as decepções, a ingratidão de seus compatriotas e as
dores físicas ainda não lhe haviam quebrado a resistência. Ainda estava à
espera de sua nomeação para o cargo de diretor do Conservatório de Música, no
Brasil. Nesse tempo foi proclamada a República, e seu grande amigo e
protetor, Dom Pedro II, é exilado, com grande mágoa de Carlos Gomes. Compôs,
ainda, Colombo em 1892,5 poema
sinfônico que, incompreendido pelo grande público, não obteve êxito.
Finalmente, após tanto
sofrimento, chegou-lhe um convite. Lauro
Sodré, então governador do Pará, pediu-lhe para organizar
e dirigir o Conservatório daquele Estado. Carlos Gomes volta para a Itália, a
fim de pôr em ordem suas coisas, despedir-se dos filhos e reunir elementos para
uma obra grandiosa que, apesar de seu estado, sempre mais grave, ainda
conseguiu realizar. Amigos aconselharam-no a fazer uma estação em Salso
Maggiore, mas ele desejava partir, quanto antes, para sua pátria. Chegou
a Lisboa, por estrada de ferro, e
recebeu comovedora homenagem. A 8 de abril de 1895, nessa mesma cidade, sofre a primeira intervenção
cirúrgica na língua, sem resultados animadores. Embarca, no vapor Óbidos, para
o Brasil. De passagem por Funchal, tem o prazer de reabraçar
seu velho amigo André Rebouças, ali exilado.
Em 14 de maio, foi recebido pelo povo paraense com
enternecedoras manifestações de apreço. No entanto os últimos dias de Carlos
Gomes em Belém foram de grande sofrimento. Seu mal era muito grave, e os
esforços médicos não conseguiam diminuir as dores. Uma única vez ele saiu de
casa, quando foi ao Conservatório de Música, que não chegou a dirigir. No
dia 11 de
julho, data de seu aniversário, as homenagens tributadas ao compositor davam
a medida da afetividade que inspirava. Em vários pontos da cidade ouviam-se os
acordes da protofonia de O Guarani, e os jornais alimentavam a dor pública com o
relatório constante do agravamento do estado geral do compositor. Estava
montado o cenário onde aconteceria a representação final do pathos do artista
genial, do brasileiro ilustre, do consagrado testa di leone (cabeça de leão, devido à farta cabeleira),
como algumas publicações italianas o chamavam. Cercado por autoridades e
amigos, com o governador Lauro Sodré à cabeceira, Carlos Gomes morreu às 22
horas e 20 minutos de 16 de setembro de 1896.2 Seu corpo foi
embalsamado, fotografado e, em seguida, exposto à visitação pública, cercado de
flores e objetos como partituras e instrumentos, bem de acordo com a idealizada
"morte bela" do Romantismo. Descrevendo os cenários da morte, os
joranaizadas ratavam com solenidade o acontecimento, destacando o repouso, o
sono intérmino, o triunfo silente do grande artista. Diziam os jornais, o
maestro não morrera; antes, cruzara os umbrais da Fama!
Dois dias depois do
falecimento, o corpo do maestro foi transferido para o Conservatório de Música.
O cortejo varou a noite de Belém. Desatrelado das parelhas de animais, o carro
funerário era conduzido pelo povo, numa insólita romaria colonial anunciada
pelos acordes de O Guarani e iluminado pelas velas e archotes levados no
préstito ou dispostos nas varandas das casas. De 18 a 20 de setembro de 1896, o
corpo ficou exposto em câmara ardente nos salões do Conservatório de Música, que
se transformou em santuário cívico e espaço para as representações do afeto
coletivo pelo compositor, como registram as imagens de época. Em seguida, foi
levado para o Cemitério da Soledade, um misto de panteão e
cemitério-jardim, onde estavam sepultados heróis da guerra do Paraguai, como o general Henrique
Gurjão, acompanhado por aproximadamente 70 mil pessoas, que levavam andores,
quadros, alegorias e guirlandas. Numa Belém cujos círculos letrados eram
fortemente influenciados pelo positivismo, mas a gente do povo cristã, o
cortejo fúnebre tornou-se uma verdadeira procissão cívica, em grande parte por
iniciativa também do governo do Pará, que instrumentalizou a
morte de Carlos Gomes.
O maestro porém, não foi
sepultado em Belém. A pedido do presidente do
Estado de São Paulo, Campos Sales, o compositor foi levado para lá, com honras e
transporte militares, a bordo do vapor Itaipu. Antes, na setecentista Catedral
da Sé no Pará, foi celebrada uma missa de réquiem entoando-se uma Elegia
a Carlos Gomes. Seu ataúde dominava o centro de um monumento funerário de
quatorze metros de altura, em um catafalco encomendado por Lauro Sodré. O culto
aos grandes homens dava forma à religião cívica do positivismo e exaltava os
nomes reconhecidos pela Humanidade. Ao final das cerimônias litúrgicas e ao
deixar o porto de Belém rumo a Santos, o Itaipu não transportava apenas os
restos de Carlos Gomes. Também conduzia o corpo de um mito que alimentara a
imaginação de um Brasil singular até mesmo em suas representações.
Diante de seu estado, pouco
antes de morrer o governo de São Paulo autorizou uma pensão mensal de dois
contos de réis, enquanto ele vivesse e, por sua morte, de quinhentos mil réis,
aos seus filhos, até completarem a idade de 25 anos. Nessa ocasião, existiam
somente dois filhos do glorioso maestro.
Dias antes de sua morte,
Carlos Gomes diria, fatalista: "Qual, o mano Juca não chega… eu sou mesmo
o mais caipora dos caipiras…"
Os gloriosos despojos do
maestro, se encontram hoje no magnífico monumento-túmulo, em Campinas, sua terra natal, na Praça Antônio Pompeu. A duas quadras dali está
oMuseu Carlos Gomes, que reúne objetos e
partituras do compositor.
Carlos Gomes faz jus também
ao nosso reconhecimento pelo seu grande espírito de brasilidade, que sempre
conservou, mesmo no estrangeiro. Quando da estreia O Guarani, em Milão, o famoso tenor italiano Villani,
escolhido para o papel de Peri, criou um problema: ele usava barbas, e
recusava-se a raspá-las. Carlos Gomes protestou: "Onde se vira índio
brasileiro barbado?" mas, afinal, tudo se acomodou. O tenor era um dos grandes
cartazes da época e não podia ser dispensado. Assim, acabou cantando, após
disfarçar os pelos, com pomadas e outros ingredientes. A procura de
instrumentos indígenas foi outro tormento para o maestro. Em certos trechos de
música bárbara e nativa, eram necessários borés, tembis, maracás ou inúbias.
Andou por toda a Itália, mas não os encontrou, e foi preciso mandar fazê-los,
sob sua direção, numa afamada fábrica de órgãos, em Bérgamo.
·
Carlos Gomes já foi retratado como personagem na televisão, interpretado
por Paulo
Betti na minissérie "Chiquinha Gonzaga" (1999).12 Também teve
sua efígie impressa nas notas de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) de 199013 e em moedas de
trezentos réis que foram emitidas em 1936 e 1937.14
·
O livro Carlos Gomes -
Documentos Comentados (2007) de Marcus Góes, da Algol Editora traz documentos
históricos de Carlos Gomes e cartas.15
·
Livro Homenagem a memoria
de Carlos Gomes, organizado pela " Academia de Amadores da
Música" de Lisboa, pela Editora Cia Nacional em 1897.
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