quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O MIGRANTE

A terra que nos viu nascer, o nosso berço natal exerce um grande poder sobre nós. O lugar onde nascemos é como a nossa própria mãe.
Corta-se o cordão umbilical, mas continuamos ligados a ela por toda nossa vida.
Quando nos ausentamos de nossa mãe levamos conosco o cheiro de seu suor que é o maior perfume que o nosso olfato já conseguiu sentir. 
Quando deixamos a terra em que nascemos levamos também conosco o cheiro das primeiras chuvas e que ela emana, o cantar de seus pássaros e todas as lembranças de coisas que permearam nossa infância.
Ninguém deixa o calo de sua mãe por prazer, deixamos por que somos expulsos pelos acontecimentos da vida.
Não deixamos a terra mater por prazer, são as imposições da vida que nos obriga a deixá-la. E, aí migramos. Assim como aquele colo materno nos deu segurança nos primeiros meses de nossa vida, a terra que nos viu nascer, seus costumes, sua sociedade, nossa família formou nosso caráter.
Aqueles migrantes que hoje longe de nossos Morrinhos Novos, Reriutaba, Carnaubal ou de minha Guaraciaba do Norte e que hoje enriquecem esses sites com seus devaneios. Tiveram todos eles uma coisa comum: sofreram ao deixar seu torrão natal e com ele muitos de seus amores; desde o pião que deixou o Riacho das Flores, o Oitizeiro ou os Morrinhos Novos, a Sussuanha a Cachoeira, a Macambira, assim como o Dionísio Ximenes que embora com curso superior deixou sua sua Reriutaba e hoje milita no Rio Branco capital do Acre. 
Eudes, Chagas, Amadeu, Márcia, Mauriene, David, João, José, Maria ou Raimunda. Todos teriam ficado lá se houvesse uma maneira de lá viver com o mínimo de dignidade.
Acontece uma coisa inexplicável: eu moro no Rio de Janeiro há cinqüenta anos, todas as vezes que visito minha terra, eu não me lembro que um dia saiu de lá. Quando alguém pergunta onde moro eu digo de forma até inconsciente: eu moro nos Morrinhos. Isso com toda consciência não me lembro que um dia saiu de lá. Conversando certa vez com a Márcia Mendes – minha amiga - que visitara sua terra depois de vinte e três anos ela me disse que com ela acontecera a mesma coisa.
A maioria desses migrantes vence na vida; não sem antes passarem por grandes sofrimentos. Alguns deles enveredam pelo caminho do mal, o mundo do crime. Há alguns anos tivemos aqui no Rio um bandido que deu muito trabalho pra polícia carioca, quando o mataram, soube que o mesmo havia nascido no Ipú e se criado na Varjota.
Uma vez eu saia de uma aula na UERJ e ia almoçar, em frente ao Maracanã, ia atravessar a rua quando fui abordado por um sujeito que me pediu ajuda dizendo que estava com muita fome; a palavra fome me comoveu, pois já senti na pele, estava disposto ajudá-lo quando ele falou que: no Ceará tinha casa e comida e que aqui dormia em marquise e passava fome, quando falou Ceará aquilo me tocou mais forte.
- Você é do Ceará? Perguntei-lhe. Sim, respondeu-me.
- De que lugar? De Guaraciaba do Norte me respondeu.
- De que lugar? Quem são seus pais? Quando ele me respondeu, desse-lhe que conhecia tudo porque também era de lá. Aí a coisa mudou! Disse-me ele, não estou com fome e nem preciso de sua esmola.
- Sou assaltante, já matei no Ceará, já matei aqui e tenho mais dinheiro que você, e metendo a mão no bolso tirou um maço de dinheiros e acrescentou: não vou lhe matar por que você é do bem.
- Eu sou do bem, e você é um otário, me diz que é bandido sem nem saber quem eu sou apenas porque lhe disse que também sou do Ceará? Posso te dá um cangapé aqui agora te jogar dentro desse Rio Maracanã que vai dar trabalho para os bombeiros o encontrar, ele era um sujeito pequeno e estava bêbado ou drogado.
Ele foi embora sem me molestar, porém aquele episódio me deixou muito triste, pensei em seus pais, em sua família, em fim é a vida.

Amadeu Lucinda ©

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