ABÍLIO MARTINS
Extraído de:
TIGRE, Bastos; SOLDON, Renato. Musa
gaiata (Antologia da Poesia Cômica Brasileira). Edição completa. Rio
de Janeiro: Editorial Unidade Limitada, 1949.
130 p [CONSERVANDO
A ORTOGRAFIA ORIGINAL]
Abílio MARTINS foi, sem dúvida, uma
das mais formosas inteligências do Ceará. Espírito vivaz e faceto, boêmio por
índole, viveu sempre alegre e sem inimigos.
Justiniano de Serpa, em 1925, quando governava
aquele Estado, numa época de grande agitação política, convidou Abíllo para a
Secretaria de Polícia. Ocupando o cargo, no qual, por circunstâncias várias, os
seus antecessores se vinham incompatibilizando com a opinião pública, dera-se
com ABLLIO justamente o contrário: cresceu-lhe o número de afeições e o Ceará
se transformou num verdadeiro seio de Abraão.
Poeta de grande
sensibilidade dedicava-se, principalmente, à poesia epigramática, em
cuja faina não poupava mesmo os seus mais afeiçoados companheiros.
O juiz de direito João Damasceno Fontenele, em
1913, teve séria desinteligência com o então presidente Franco Rabelo, porque este
o transferira da sua para outra comarca.
ABÍLIO que de tudo sabia, tripudiou:
_Foi em Viçosa que nasceu o João...
E, quando o João nasceu lá em Viçosa,
já foi com vocação.
pra vida preguiçosa
de Juiz substituto no sertão.
Cara, pescoço e pernas, tudo fino
...
E FINO, em tudo mais,
fui até bom morrer, assim menino,
o diabo dêsse rapaz...
O Franco o removeu,
e o João virou,
e o João teimou ,
e o João mexeu,
até que, enfim,
veiu os ossos deixar em Camocim...
o clero cearense, em 1923, desenvolveu - mas em
pura perda - forte campanha contra as festas dançantes, condenando
principalmente o tango, sob o fundamento de ser de importação dos cabarés
argentinos e, como tal, abominável aos espíritos de formação cristã.
ABÍLIO que em tudo metia o bedelho, saiu-se pela
prensa, com êste descante:
_Chega ao céu uma defunta,
loura, franzina, catita...
São Pedro, grave, profundo,
vendo a defunta bonita,
coça a barba, se concentra,
se concentra e lhe pergunta:
_Dançaste tango no mundo?
_Dancei, São Pedro...
_ Pois entra...
A população da capital cearense, em 1920, foi surpreendida
pela aparição sensacional de um galo com chifres.
Os jornais se ocuparam do fenômeno e o poeta lá
esteve para, de visu, observá-lo. Instantes depois, registrava as suas
impressões:
_ Eis um fato banal,
que nem merece a pena comentá-lo,
pois me parece muito natural
o que acontece ao galo...
Penso que o galo, como o cidadão,
tendo o seu lar... no fundo do quintal,
e, entre a família, nome e projeção,
está sujeito
ao mesmo preconceito,
de ordem social,
que rege e orienta a vida conjugal.
Vê-se, portanto, positivamente,
que a Natureza tinha,
de cédo ou tarde, assinalar o mal...
Pois se a mulher do galo, infelizmente,
foi sempre uma galinha,
a cabeça do boi era fatal...
Muito cuidado, camaradas, tomem:
se a Natureza fez assim com o galo,
pôde fazê-lo muito bem com o homem...
Cumprimentando, por seu aniversário,
ao virtuoso Monsenhor João Alfredo FURTADO, Cura da igreja da Sé, em
Fortaleza ABÍLIO mandou-lhe estes versos:
__ Parabéns pelos anos que ontem fez
e pelos outros que há de festejar!
Mando-lhe este soneto que, talvez,
nem mesmo valha a pena conservar.
Logo que o leia, rasgue-o duma vez,
não caia na tolice de mostrá-lo.
ao Climério _ doutor
em Português _
que muitos erros nele há de encontrar.
Mas isso nada vale... O que
tortura
o meu já pobre cérebro cansado,
é ninguém dar-me explicação segura
sobre este paradoxo danado:
Você nunca foi médico, mas CURA...
E sempre honesto foi, mas tem FURTADO...
Extraído de:
TIGRE, Bastos; SOLDON,
Renato. Musa gaiata (Antologia da Poesia Cômica
Brasileira). Edição
completa. Rio de Janeiro: Editorial Unidade Limitada, 1949.
130 p
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