quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O TIZÉ-LINA E O MALANDRO DO TREM
O cearense é um povo muito alegre; bem humorado, e muito hospitaleiro. Quem visita o Ceará fica encantado com sua gente.
Apesar das agruras que sofrem aquele povo, com as secas e com as políticas desastrosas que lhes são oferecidas, eles superam tudo.
Mas a qualidade que mais destaca o cearense é sua inteligência.
No mundo dos negócios, ele é chamado de o judeu brasileiro.
Mas ele tem se destacado em todos os segmentos da sociedade: na política, na economia, na literatura, nas ciências e tecnologias e nas artes.
No humorismo, o Ceará tem sido um verdadeiro celeiro.
No mundo jurista, tivemos como nosso maior expoente Clóvis Bevilac. Esse nasceu na cidade de Viçosa do Ceará, na Serra da Ibiapaba, foi o maior jurisconsulto da América do Sul em sua época; cujo código civil atual, lhes devemos.
Foram muitos os nomes de destaque na sociedade e vou destacar só alguns.
Não haveria espaço para todos. Entre estes muitos, tivemos: José Alencar, Gonçalves Ledo, Raimundo Girão, Delmiro Gouveia, Juvenal Galeno, Tristão de Alencar, Joaquim Nepomuceno, Bezerra de Menezes, Edson Queiroz, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Florinda Bolkan e tantos outros.
Essa inteligência do cearense teve muito destaque. Mas uma merece destaque: foi a malandragem do malandro de Fortaleza e temido por todos. Ele não usava navalha, nem revólver como o malandro carioca. Ele usava a inteligência.
Ele inventava cada história fantástica que enrolava mesmo velhos marinheiros, acostumados com a malandragem de portos de quase todo o mundo.
A astúcia do malandro de Fortaleza, nos anos cinqüenta, era somente comparado aos malandros de Nápoles, na Itália, berço de toda a malandragem.
O Tizé-Lina, como era chamado por todos, era um ancião. Tinha cabelos e barba branquinha. Ele usava barba comprida e muito bem cuidada. Tinha a voz grave, muito simpático. Era quase analfabeto porém muito esperto.
Urídes o chamava de Prudente de Morais, dados à semelhança física e também pela barba com o ex-presidente.
Tizé-lina negociava com fumo nas cidades que ficavam as margens da E.F.S. (Estrada de Ferro de Sobral).
Um dia, ele vinha de Camucim, no trem que fazia Camucim - Crateús. Dentro, vinha um malandro, tomando o dinheiro daqueles pobres matutos incautos, com o jogo da pretinha.
O jogo era três tampinhas de cerveja, e um grão de pimenta do reino, que o malandro o manuseava com grande habilidade e depois das apostas feitas, ele tirava-a com a unha e a bolinha não mais ficava em nenhuma tampinha.
A primeira jogada, o malandro deixava a bolinha amostra para iludir os incautos.
O sujeito ganhava a primeira vez e depois nunca mais. Perdia tudo o que tinha.
Tizé-lina ficou apreciando o jogo e fez questão de deixar que o malandro visse que ele estava com muito dinheiro.
O malandro então fez o jogo dizendo:
- Esta perde, esta perde, esta ganha. Façam o seu jogo! Este é o caipira de São Severino. Jogam mulheres e meninos, algumas velhos viciados. A sorte esta lançada, quem mais olho, menos vê - e continua falando com um vocabulário próprio e cheio de leriado.
Tizé-lina aproximou-se e abrindo a carteira de notas, fez questão de novo em deixar que o malandro visse que ele tinha muito dinheiro.
Até fez questão de que o mesmo visse algumas notas de cem mil réis. O malandro vendo aquilo abriu a guarda, fez o jogo e deixou a bolinha amostra.
O Tizé-lina perguntou se ele não mais ia mexer nas tampinhas e quanto podia apostar.
A resposta foi de que não mais iria mexer e que ele podia jogar o que quisesse.
Tizé-lina puxando uma nota de vinte mil réis fez a aposta. As apostas maiores que tinham sido feitas ali não passaram de um mil réis, portanto aquela era, no mínimo, vinte vezes maior.
Tizé-lina ganhou aquela aposta, o malandro disse:
- Agora vou cem.
Mas o Tizé-lina pegou a nota que ganhara e, juntando com as suas, guardou-as no bolso, com uma risada irônica disse:
- Ró-ró-ró! Não vou mais.
E foi saindo, enquanto o malandro do trem ficou praguejando.
Do livro: “ Histórias nos Morrinhos” de Amadeu Lucinda. ©

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