sábado, 4 de outubro de 2014

O BAILE, LÁ NA ROÇA...

Nos anos cinquenta, Morrinhos era uma pequena aldeia que foi se formando na margem esquerda do riacho Buriti-apuá. 
Nem distrito era; pertencia ao distrito de Sussuanha, no município de Guaraciaba do Norte. 
Apesar de ter um representante na câmara municipal por mais de trinta anos, quase nada ele fizera pelo lugar.
O vereador do lugar era muito querido pelo povo. Tanto isso é verdade que o mesmo foi eleito por mais de dez vezes e até hoje elege seus filhos. 
Acontece que, se ele não fez nada, não é tão culpado, pois é semianalfabeto e, conversando com ele, quando recentemente visitei os Morrinhos, percebi que ele não tinha nem consciência do que era ser vereador. “A vereança não é um emprego e, sim, uma prestação de serviço”. E para não fugir a regra da maioria dos políticos, só pensava nele. Quando chegou a este lugar no meado do século passado era pobre e casou-se com uma moça órfã deste lugar. E hoje me disse sem constrangimento que possuía 13 propriedades rurais. E o povo?! 
Mas os Morrinhos era um lugar alegre, seu povo era festeiro e respeitador. Era invejado pelas aldeias vizinhas, tinha um charme, alguma coisa diferente, tinha muitos homens de bem e estes eram muito unidos.
Quando havia um baile, todos os pais de família deixavam suas filhas irem, porque sabiam que lá havia ordem e respeito. 
Isto não acontecia por acaso, é que havia vários pais de família que, por seus filhos e sobrinhos estarem no baile, eles se achavam no dever de vigiar e manterem a ordem. 
Eram muitos, mas havia dois que eram infalíveis: Tio Vicente Lucinda e seu Antônio Fino.
Quando os dois estavam na guarda, era sinal de paz.
Eles nunca entravam no salão, ficavam do lado de fora. 
Iam até o botequim, tomavam uma pinga, apenas para ficar espertos. 
Nunca se embriagavam, estavam atentos a tudo. Quanto muito, iam até a banca da Virgínia de Ferro. A Virgínia era uma senhora que não perdia um só daqueles bailes: com uma banca de café, tapioca, bolos. Mas o que diferenciava a banca da Virgínia das demais era um peru à cabidela que ela preparava e cozinhava na festa para vender.
O baile nos Morrinhos era um grande acontecimento para a região. 
À casa escolhida, era feita toda uma preparação prévia. Era toda pintada com cores claras e com rodapé de uns trinta centímetros em cor escura. Também, na altura aproximada de um metro, era pintada uma faixa em cores vivas. Esta faixa era um transtorno por ser feita com tinta de baixa qualidade e quem se encostasse nas paredes ficava marcado.
O piso era de cimento e colocava-se cera de carnaúba para ficar liso, e facilitar a dança. Às vezes quando o baile era de classe alta, forrava-se o salão com tecido.
A iluminação era feita com candeeiro, alimentado com carbureto, trazendo um cheiro insuportável. Mais tarde com lampiões, a pressão de querosene, Petromáx, também tinha um senhor que alugava bateria de automóvel que, ele com uma roda hidráulica e com um dínamo adaptado, as carregava, então era feita uma instalação com algumas lâmpadas e pronto.
O mais importante era a música. Vinha tocar a banda das cidades mais próximas, Guaraciaba e São Benedito. Mas a orquestra que fazia a diferença, e que quase sempre era mencionada nos convites, era a orquestra dos Otaviano. ( do Croatá) Compunha-se de sanfona, zabumba, triângulo, banjo, violão, cavaquinho, mas era os instrumentos de sopro que se destacavam, entre outros o clarinete do João Juvino.
As damas vinham muito bem vestidas, mas os cavalheiros eram trajados a rigor, paletó e gravata, sem essa indumentária não entrava. 
Uma vez, houve um baile na casa da Dona Fransquinha Antonina, chegou um cara de fora, era o Tupinambá. Era da Várzea Formosa, hoje Poranga, terra de gente valente e de arruaceiros. 
O rapaz era alto e forte, resolveu criar confusão. Começou uma briga.
Eu disse começou. Pois foi isso mesmo. Antes que ele se criasse, o Tio Vicente o puxou para fora do salão e sempre junto com seu Antônio Fino. O Tio disse:
- Mocinho! Talvez não lhe disseram que aqui nos Morrinhos o baile é para brincar e não para brigar.
Se você veio para brincar, a casa é sua, se não foi para isso que você veio, por favor, a estrada também é sua. Posso lhe adiantar que é um bom negócio o mocinho entender o recado.
Seu Antonio Fino, disse:
- Você ouviu o que o compadre Vicente disse. A decisão é sua.
O Tupinambá, ao se livrar do Tio Vicente, entrou e brincou até o sol raiar sem dar mais um pio.
Do livro: “O Anjo da Noite e Outros Contos” de Amadeu Lucinda. ©

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