quinta-feira, 2 de outubro de 2014

MEU PAI ERA UM SÁBIO
Depois de muitos anos no Rio de Janeiro, fui ao Ceará.
Fui visitar meus pais.
Que grata surpresa; foi sem sombra de dúvida um dos maiores presentes que já dei a mim mesmo.
Quantas coisas haviam mudado por lá, pois a vida é dinâmica, não é estática.
E quando a gente está ausente de nossa terra, lá o mundo para em nossa mente. Portanto, as surpresas começam logo ao chegar em nossa casa: mudaram a porta da sala, rebaixaram o telhado, o quintal, não tem mais aquele milharal que deixamos. É tudo muito confuso.
Aí eu me lembrei da estrofe da poema “Lar paterno”, que diz:
Como a ave que volta ao ninho antigo
Depois de longo e tenebroso inverno,
Eu também quis rever o lar paterno,
Meu primeiro virginal abrigo.
Eu estava lá e, logo no dia seguinte, as coisas foram tomando seus rumos.
Então, em diálogo com meu pai, vendo ele bastante forte e que havia há dois anos deixado de viajar e, consequentemente, de negociar com fumo, coisa que fizera toda sua vida; fora com aquele labor que havia nos criados sem nunca nos faltar nada.
Imaginando que ele deixara por falta de capital, perguntei-lhe:
- Pai, você quer voltar a negociar? Se quiseres, lhe arranjo o dinheiro para isso.
Ele me respondeu:
- Não, meu filho. Tudo em nossas vidas tem hora de começar e de terminar.
Parei não foi por falta de dinheiro. Isso eu nunca tive, mas também nunca me fez falta para tal. Porque sempre tive crédito, e ainda tenho na mesma proporção.
O que me fez parar foi outra coisa, outro motivo.
Na vida passamos por três fases importantes (palavras dele): primeiro somos crianças, depois nos tornamos adultos e depois vem a velhice.
Na infância a gente se prepara para a vida adulta; na vida adulta a gente se prepara para a velhice.
Na infância, a gente é respeitado por causa de nossos pais.
Na vida adulta, somos respeitados porque somos homens e a um homem todos respeitam.
Já na velhice, só somos respeitados se nas etapas anteriores tivermos conquistado um título de doutor, ou se tivermos ficado ricos.
Se isto não tiver acontecido, somos apenas um velho.
Portanto, meu filho, antes de parar, um fato me fez refletir: depois da feira em Retiutaba, como sempre fazia e você é testemunha disso, eu saía para vender alho nas bodegas.
Um dia, a feira havia terminado, peguei algumas tranças de alho e as pus sobre o ombro e fui vendê-las.
Quando desci a calçada do mercado com o alho nos ombros, veio então uma criança e puxou uma trança por traz.
Me assustei, mas imaginei ser molecagem de uma criança, afinal quem não foi criança e que um dia não fez uma molecagem.
Segui e mais duas outras crianças vieram com a mesma brincadeira.
Me protegi, saí e vendi o alho.
E isso me fez pensar:
já não sou criança. também não sou doutor e nem fiquei rico.
Mas sem perceber, fiquei velho e nem me dei conta disso.
Está na hora de parar.
Nesta cidade, e em todas que trabalhei, sempre fui respeitado. Está na hora de parar, para, quando alguém falar de Antonio Lucinda, falar com respeito, dando assim orgulho à minha família.
Pai. Orgulho-me muito de ser seu filho.
Espero que meus filhos possam um dia dizer o mesmo de mim.
Do Livro: “O Anjo da Noite e Outras Contos”
De Amadeu Lucinda. ©

Nenhum comentário:

Postar um comentário