quinta-feira, 25 de setembro de 2014

TIO VICENTE LUCINDA E SUAS HISTÓRIAS
Ticente, era assim que nós o chamava, era um mulato alto, forte, muito educado, de uma delicadeza que encantava a todos. – Irmão de meu Pai - Mas as qualidades que o tornava diferente dos demais eram sua coragem e uma força física descomunal que ele tinha. Era valente e justo. Ser amigo seu não só era muito bom, como também, em muitas ocasiões, poderia ser uma garantia de vida - sua força física e sua coragem garantia isso.
Certa vez tivemos que mudar um bilhar francês que pesava algumas centenas de quilos, de um salão para outro e o Tio Vicente estava presente; o convidamos para nos ajudar.
Ele estava sempre disposto a ajudar quem o solicitasse. Enquanto colocávamos oitos homens de um lado, de outro lado estava ele sozinho, ainda rindo dos pobres mortais.
Outra vez, quando morreu seu irmão que era casado, ele teve que ir a cidade com sua cunhada, - agora viúva - para assinarem uns documentos.
E foram a cavalos. No caminho, encontraram um caminhão e, como a estrada era muito estreita, ele desceu de seu cavalo. Pegando o cavalo de sua cunhada para puxar para a margem da estrada para dar passagem ao caminhão, não só o cavalo não quis sair, como começou andar de ré.
Tio Vicente, com sua força, fez o mesmo parar. Ele puxou o cavalo pelo cabresto, fazendo-o ir para frente arrastado, deixando marcas das quatro patas naquele barro duro.
Nas quedas de braços, Tio Vicente era imbatível.
Dizia ele só ter perdido uma vez. Foi para um deficiente físico e que só tinha uma cana de braço. Que dizer, só tinha rádio ou “ulna”. Fora isso, nunca perdera para ninguém. Mas a história do Tio Vicente que mais marcou foi uma que eu fui o principal personagem.
Eu era rapazinho, tinha chegado do Rio de Janeiro.
Tinha vindo morar em nossos Morrinhos, uma família de fora.
Era um pessoal muito simpático e tinha, nesta família, várias moças bonitas. Uma destas moças, a mais velha, era namorada de um filho de um “Coronel” lá de onde eles moravam - era esses coronéis de patente, que eram sem nunca ter sido - era um rapaz de uma certa idade e muito ciumento.
A menina começou a se interessar por mim, e no começo nem mesmo eu percebi e também não sabia que ela era namorada do tal ciumento.
Acontece que o sujeito, além de ciumento também era brigão; sempre andava armado.
Houve um baile na casa da tal família e eu fui.
Começou a música e a convidei para dançar, saímos dançando e, neste momento, apareceu o tal namorado dela.
O sujeito não perguntou nada e, mesmo pela janela, tentou me alvejar, sacou o revólver e disparou para dentro do salão, por cima das cabeças dos pares, nos quais, eu me incluía.
Acontece que ao lado dele e muito atento estava o Tio Vicente. Num relance muito rápido, fração de segundo, ele o segurou na mão esquerda do sujeito, deixando a mão direita do mesmo livre e com um revólver.
Torcendo-lhe a mão, pergunto-lhe:
- Fulano! Em quem era que você queria atirar?
- Não digas que era no meu sobrinho? Não, não, o que é isso!
- Seu Vicente foi apenas uma brincadeira.
Então meu tio continuou torcendo-lhe o braço e ordenou que ele largasse a arma. O cara largou-a e meu tio ordenou que alguém da casa a guardasse.
Conversando comigo no outro dia, em minha casa, ele me contou tudo, como tinha acontecido, uma vez que somente vi a confusão, mas não participei de nada e nem sabia que fazia parte do ocorrido. Então lhe falei:
- Tio, o que o senhor fez não foi coragem, foi loucura, o que o senhor fez é suicídio. Segurar um homem ciumento, deixando-o livre com uma arma na mão! Você tinha era que lhe tomar a arma.
Então ele disse-me:
- Eu também estava armado. Não era justo, não era honesto, deixá-lo em desvantagem.
Portanto, só assim poderíamos ver quem realmente tinha coragem.
Do livro: “O Anjo da Noite e Outros Contos” ©

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