segunda-feira, 4 de agosto de 2014

HISTÓRIAS DE UMA VIDA
Amadeu nasceu de uma família pobre. Porém, honrada, honesta e acima de tudo muito unida.
Ele nasceu no fim dos anos quarenta do século próximo passado. Era uma época muito difícil para humanidade. O Mundo se digladia com a segunda grande guerra mundial.
Aquela guerra não foi medida pela valentia de um povo ou pelo número de militares de uma nação. Venceria o mais inteligente; foi usado o avião pela primeira vez para tal fim. Hoje os tão conhecidos carros bomba e, pilotos suicidas dos terroristas de nossos dias, tiveram como inspirações nos camicases pilotos japoneses que se lançavam para a morte naquela guerra. Foi usado o poderio nuclear, foi usada a famigerada bomba atômica que arrasou as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasaki.
Nossos bravos pracinhas lutaram bravamente em Monte Castelo na Itália e na Normandia; lutaram e venceram no corpo a corpo. Más, o que era isso diante de uma bomba atômica dos aliados ou de um submarino ou um encouraçado com propulsão nuclear?
O Brasil estava em plena ditadura Vargas. E como dizia minha santa mãe que: mazelas da humanidade vivem sempre de mãos dadas, estão sempre juntas. Peste, Fome e Guerra.
A guerra leva os homens que antes trabalhavam na agricultura para garantir os alimentos, agora foram para a morte. Sem essa mão de obra, não tem alimento e em consequência vem à fome.
Esse pessoal que ficou: velhos, crianças e mulheres eram levadas aos campos de concentrações, lá sem alimentação e sem higiene era uma porta aberta para as doenças endêmicas - peste.
Para completar esse quadro. O nordeste entra numa grande seca: 1941/42.
Amadeu já tinha quatro anos e viu aquele sofrimento em loco. As crianças que nasciam em sua maioria morriam antes dos sete dias, as que chegavam aos trinta dias morriam com uma desidratação tão forte que era um quadro horrível. Eram somente pele e ossos.
Quando a mãe do Amadeu ia colocar o almoça para sua família, sua casa era invadida pelas aquelas crianças fomentas.
A mãe do Amadeu dividia aquela comida que não era muito, más, o suficiente para matar a fome de sua família, com aquelas pobres criaturas, isso para revolta do Amadeu. Ele era uma criança e não entendia aquele gesto nobre de sua mãe, pois sabia que era seu pão que estava sendo dividido e não raro D. Emília ficava sem comer.
O pai da Amadeu era um mulato e sua mãe branca. Como os genes do negro quase sempre tem predominância, quase todos os seus irmãos eram morenos, apenas o Amadeu e o Mauro puxaram a mãe e nasceram brancos, sendo que o Mauro viera doze anos depois às coisas já haviam mudado e não sofreu buli.
O Amadeu por ter cometido o pecado ou crime de nascer branco, era chamado pelos primos de: galinha branca, mamão branco e rã branca; eram essas as senhas para uma boa briga.
Em toda tribo existe um líder, um Cacique ou Morubixaba. Na tribo dos Lucinda havia dois líderes: Antônio Lucinda e Chico Cassimiro, Antônia era o relações pública, era o conselheiro, quando havia alguma divergência era ele que era chamado. O Chico Cassimiro era o suporte financeiro, era rico, casado com a Maria Lucinda, o apoio dele não era para matar a fome ou vestir alguém, era quando acontecesse algo sério na família, uma doença ou até mesmo coisas mais sérias. Em 1946 o Evaristo Medeiro em acordo com todos os proprietários de terras nos Morrinhos, convocou uma medição judicial dessas propriedades para saber quem era quem, e o que lhe pertencia. Os agrimensores vinham de Sobral que na época ficava no fim do mundo. E sendo assim os custos eram muito altos. O engenheiro agrônomo era o Dr. Evangelista, ou simplesmente o Dr. Lista. Muitos pequenos proprietários tiveram que vender suas terras para custear as despesas das novas escritura agora legal, pois agora eles tinham o aval da justiça. Graças à união da família Lucindo, o Chico Cassimiro pagou tudo e vindo a receber depois.
Para terem ideia da união dessa família Lucinda, todas as terras desde o limite das terras dos Gonçalves, - Fransquinha Antonina – até as terras dos Mendes, - Josué Mendes – pertenciam apenas a três dos Lucindas: Antônio, Vicente e Maria Lucinda. A maior parte era do Antônio, uma vez que ele já era proprietário e casou-se com a cunhada, cujas terras do irmão agora eram dele.
Essa despesa foi paga apenas pelo Antônio Lucinda e Chico Cassimiro esposo da Maria Lucinda. O Vicente não tendo como pagar os outros dois custearam.
O labor do Amadeu começou muito sedo, aos cinco anos, ele tinha uma tia: Izabel Lucinda, conhecida como D. Biluca. A tibiluca como ele a chamava, ela fazia um bolo de puba no caldo da rapadura e assado sobre folhas de bananeiras, era uma delícia. Ela cortava esse bolo em 25 vinte e cinco fatias e as colocava numa sexta e sobre uma toalha branquinha. Amadeu colocava sobre a cabeça e saía vendendo pela estrada até chegar ao campo de futebol onde vendia o que restava. Cada fatia era vendida à Cr$. 0,20 vinte centavos, ao término ele tinha Cr$. 5,00 cinco cruzeiros, como sua comissão era de 20%, ele ficava com Cr$. 1,00 um cruzeiro e sua tia com Cr$. 4,00 quatro cruzeiros.
Um dia ele com a sexta cheia de sua preciosidade, na estrada encontrou bando de ciganos que lhe rodearam, enquanto uns lhe enrolavam, - dizendo que ele era um menino ladino e muito elegante, ele não entendia o que seria ladino e muito menos elegante, porém, pelo gesto deles entendia que eram coisas boas. - os outros roubavam tudo. Voltou para casa sem dinheiro, sem bolos e chorando. Felizmente sua tia não brigou e nem lhe cobrou nada.
Segundo labor do Amadeu: foi fazer jogo de bicho, na época não era contravenção o jogo era legalizado, além do Amadeu também fizeram jogo os seus irmãos: Urides, o Lauzinho e o Manoel; esse o Manézinho além de fazer o jogo ainda enrolava os incaltos, tinha um casal de velhinho que ele os induzia a jogar em todos os bichos contando apenas um sonho – que ele nem havia sonhado – e fazia a interpretação e dizia: “só se é o cachorro” a velinha dizia atocha no cachorro, depois ele dizia acho que esse sonho é para o burro! Então atocha no burro e assim eles jogavam nos vinte e cinco bichos. Certa vez, um caboclo da Macambira: Barra do Sotério, Volta do Rio ou Melancia, fazia feira em São Benedito, seu caminho era: Várzea dos Espinhos, Descoberta, Morrinhos e Campo da Cruz, hoje Inhuçu. Esse abestado saía jogando onde encontrasse um cambista: uma vez ele jogou na caderneta do Amadeu em um bicho e em Campo da Cruz noutro, ganhou no de Campo da Cruz e cismou que fora na caderneta do Amadeu. Era um cara estúpido e queria que o Amadeu lhe pagasse, por maior que fossem os argumentos do Amadeu, não só ele não se convencia como passou a ameaça-lo inclusive com uma faca. Amadeu era uma criança e ele um adulto e armado, a inteligência do Amadeu lhe aconselhou resolver de outra maneira, o convidou que lhe acompanhasse até a casa de seu pai que esse o resolveria. Ao passar na frente de uma bodega de um amigo da família Lucinda, esse viu aquele estranho segurando o Amadeu pelo braço e perguntou o que estava acontecendo, quando lhe contaram a estória o bodegueiro disse para o tal caboclo: se você entrar no reduto dos Lucinda ameaçando esse menino você não sai do outro lado. “Você não tem amor à vida não?” E disse para tal sujeito: esse garoto eu o conheço, assim como sua família, eu não mentiria para você, vá sua viagem e na volta passe aqui que eu vou resolver esse problema. O sujeito realmente havia ganhado más, numa caderneta lá do Inhuçu.
Amadeu depois foi empregado nessa mesma bodega; que além de bodega também era bar e bilhar. Com o tempo o dono da tal bodega comprou um quiosque no Abrigo Central, na Praça do Ferreira em Fortaleza e mudou-se com a família para a Capital. Deu um balanço e entregou o negócio ao Amadeu que era um adolescente entre treze e quatorze anos e sem nem uma experiência de negócio; o apresentou á dois atacadistas de São Benedito, onde ele compraria: arroz, café, açúcar, querosene, sabão, cigarros e fósforos.
Acontece que geminado com o tal estabelecimento era a residência onde ficou morando um irmão e um cunhado do proprietário e tinha uma porta interna ligando as duas casas; nada de mais se não fosse um detalhe: esse cunhado dele era ladrão. (Esteve preso aqui no Rio de Janeiro, tempos depois)
O Amadeu ao fechar a loja ia dormir na casa de seus pais e o tal sujeito tinha livre circulação. O resultado foi que um ano e meio depois o proprietário veio para receber seu negócio e foram dar balanço havia um prejuízo de um conto e quinhentos mil réis. Estavam presentes nesse balanço o proprietário, Amadeu e seu pai; (Antônio Lucinda).
Amadeu ficou louco, afinal não havia comprado uma camisa ou um par de sapatos e as refeições eram feitas na casa de seu pai. Trabalhara um ano e meio de graça e ainda saíra com uma dívida considerável. Seu Antônio Lucinda se ofereceu para pagar o prejuízo, disse eu vendo algumas braças de terra e pago.
O proprietário disse: não compadre Antônio você não vai pagar nada, quem vai pagar é o Amadeu, eu sei tanto quanto ele e você que ele não roubou nada; más deixou que alguém roubasse, não vigiou o que lhe fara entregue. Quando ele ficar adulto vai para o Rio de Janeiro, trabalha e me paga. Eles ali presentes assim como seu pai todos sabiam quem havia roubado quem roubou, o único que não sabia era o Amadeu, isso justificado por ser ele uma criança. Amadeu com essa memória que Deus lhe deu, lembra-se dos nomes de todos os personagens inclusive do ladrão, se os omitiu foi por respeito aos seus familiares. – Para provar a veracidade desses fatos, o proprietário que tenho me referido dois anos depois daquele episódio eu já não lhe devia mais nada. Como na época, até hoje sou amigo dele e de sua família, moram hoje em Goiana Goiás, eu tenho endereços telefones e E-mails deles. –
Amadeu não esperou ficar adulto para resolver aquela pendência, foi ao Cartório Catunda, onde seu pai havia feito um pacote com o tabelião e pagou pelo seu casamento civil (que até então era casado apenas no religioso) e o registro de todos os filhos existentes naquele momento nos quais estava incluído o Amadeu.
Amadeu foi ao cartório pegar sua certidão de registro e ao chegar foi constatado que o tabelião ainda não havia lançado os mesmos. O tabelião (Joaquim Catunda Neto) sugeriu e Amadeu aceitou que lhe aumentasse a idade em dois anos para ao chegar ao Rio não receber salário de menor que era a metade.
Amadeu pegou dinheiro emprestado com juros exorbitantes e viajou para o Rio de Janeiro em companhia de seu irmão casado: (O Oliveira) essa viagem foi muito penosa onde o Amadeu passou quatorze dias sem comer. Essa história ele conta em detalhes em outro livro “Quatorze Dias Sem Comer”.
Amadeu ao chegar ao Rio e apenas com dezesseis anos foi trabalhar de servente de pedreiro, ficou confinado durante um ano e meio, sem ter ido uma vez se quer ao cinema ou até mesmo um a praia, não comprou nada para seu uso até juntar o dinheiro que ficara devendo.
Primeiro ele pagou ao agiota que lhe emprestara o dinheiro para a viagem com aval de seu pai. Depois juntou centavos por centavos até completar o dinheiro do bodegueiro.
Ao completar aquele dinheiro e depois de muito sofrimento Amadeu comprou um terno de linho, duas calças sociais uma de; “Brim Curinga Não Encolhe” uma calça “LEE” algumas camisas e se despediu do Rio de Janeiro, para nunca mais voltar, pelo menos era esse o seu propósito.
Embarcou num micro-ônibus que tinha como destino, Campina Grande na Paraíba. Ainda não era seu Ceará, más, era seu nordeste: seu Céu, seu Paraíso, seu Mundo. Esse ônibus deixou Amadeu no cruzamento das estradas: uma vinha de Paulo Afonso na Bahia rumo a Campina Grande na Paraíba e a outra vinha do Recife com destina á Salgueiro em Pernambuco. O Amadeu pegou uma carona num caminhão que transportava algodão com destino á Fortaleza.
Ao chegar a Fortaleza ele que levava consigo o endereço de seu antigo patrão o bodegueiro a quem estava devendo, pegou um ônibus urbano para o bairro de São João do Tauápe, um bairro de Fortaleza nas proximidades de Joaquim Távora e Alto da Balança. Chegando à casa do bodegueiro esse estava viajando para o Maranhão, estava somente à esposa e os filhos.
Amadeu fez o pagamento à mulher dele e não recebeu nem um recibo se quer, também não era necessário, pois não tinha assinado nem uma promissora, era tudo na base da confiança. Dormira na casa deles e naquela madrugada pegou um trem com destino á Ipú e lá pegou o Misto do Salmito que ia para São Benedito, porém ele ficou na Sussuanha e dali a pé até os Morrinhos.
Chegou aos seus Morrinhos tão querido por ele. Estavam lhe aflorando os dezoitos anos, estava na casa de seus pais que lhe amavam até com idolatria; a recíproca era uma grande verdade que seus pais sentiam. Não devia nada a ninguém, muitos amigos, e as meninas lhe disputavam.
Voltou a sua vida laborativa com as armas que sua terra lhe oferecia. Comprava farinha de mandioca para vendê-la no Araras hoje Varjota. Os lucros eram pequenos para as despesas de transporte. Dava para ele ajudar aos seus pais e pagar as cotas das festinhas, uma vez que ele não bebia. Ficar rico não era seu propósito, sendo assim estava muito feliz. Em 1957 houve uma seca que culminou com a miséria e a fome que veio trazer tanto sofrimento no povo do nordeste em 1958. Começavam as obras de emergências, estradas e açudes. Amadeu tinha duas escolhas: voltar para o Rio de Janeiro, ou trabalhar como cassaco nas construções de estradas.
Foi aí que ele foi convidado pelo senhor Antônio Meton. Silvano Gomes para trabalhar como escriturário num fornecimento de sua propriedade na construção da estrada ligando Reriutaba á Guaraciaba. Naquele momento esse fornecimento estava no Oitizeiro, município de Reriutaba. Foi contratado com um salário de C$. 2.500,00 dois mil e quinhentos cruzeiros, na época o salário mínimo no Rio, era de C$. 1.200,00 mil e duzentos cruzeiros; foi ganhar mais de dois salários mínimos do Rio, e isso em sua terra.
Com esse emprego ele conseguiu garantir que ninguém na casa de seus pais passasse fome; assim como na casa de sua irmã: Dodosa, uma vez que o seu marido fora para o Rio de Janeiro e de lá para Brasília e a deixou com muitas crianças, que teriam morrido se não fosse a ajudo sua e de seu pai. Amadeu pegava gêneros alimentícios além de açúcar café e carne nesse estabelecimento no qual ele fora promovido a gerente e com almento de salário; levava esses mantimentos para aquelas duas famílias. Diz uma amiga minha que: bocado comido é esquecido. Talvez por isso, a maioria daqueles sobrinhos do Amadeu que teriam morrido não fosse a sua intervenção, hoje não só ignoram esses fatos como dizem que não gostam dele, pois dizem que ele só quer é ser bom, e Amadeu retruca-os dizendo: o Amadeu não quer ser bom! Ele é bom mesmo!!! Isso incomoda muito aos invejosos. Para confirmar quem é Amadeu é somente ver a quantidade e a qualidade de seus amigos que ele tem hoje. Disse Jesus: digas com quem andas e eu direi quem tu és.
Amadeu apesar do bom salário quando terminou a crise ele salvara aquelas duas famílias, más, em compensação contraíra uma divida de C$. 12.000,00 doze mil cruzeiros que lhe custou mais dois anos de trabalho no Rio de Janeiro para pagá-la. Amadeu se necessário fará tudo novamente, a vida dele pertence a sua família e aos amigos; se ninguém reconhece a nobreza de seus atos, isso é problema deles.
Amadeu tem um poema: “A vida é um eterno começar” a vida é um aprendizado constante, permanente, estamos sempre aprendendo, a vida é o maior mestre. No entanto somos o que somos os fatos apena nos moldam. Amadeu será sempre o que foi. É um eterno: altruísta. Leva bordoadas de muitos que ajudou muitas vezes para não dizer a vida toda. Porém, uma vez ele prestou um favor á um amigo, isso faz mais de quarenta anos, esse amigo já lhe fez dezenas de favores e diz que ainda está em dívidas com ele. Apenas um gesto desses faz Amadeu pensar que valei a penas o que fez e continuará fazendo.

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