O G U A R A N Á
Foi-nos pedido um dia pela
coordenadora, para falarmos de nosso primeiro guaraná, as lembranças daquele
dia e daquele momento.
Entendemos que, como guaraná lembra
festa e, festa é alegria, achamos que deveríamos falar de contentamento,
sentimentos afáveis, coisas boas.
E como minha procedência era de uma
região muito pobre, e em conseqüência disso as crianças de lá não tiveram
festas nem guaraná.
Então resolvi falar dos costumes
daquela gente, das suas festas, de seus refrigerantes, falei do aluá feito de
frutas silvestres, -heranças indígenas – a principal fruta usada era o croatá;
que delícia! Também falei do caldo de cana muito difundida na região naquela
época. Até dei receitas de como preparar um bom aluá. Falei tudo, apena do que
me fora pedido, eu me omiti, não falei, para não dizerem que eu tinha me
esquecido do tema, falei do “Guaraná Hermano” um refrigerante saborosíssimo
fabricado em Sobral. Pensei ,
minha missão está cumprida.
Depois da aula encontrei com uma
colega no corredor, ela me convidou á sentar e conversamos, em conversa ela me
disse que também não tinha escrito sobre o guaraná; disse-me ela: Amadeu, eu
não escrevi, não consigo falar sobre bebidas, minha experiência com elas não
são nada agradável: perdi meu pai quando tinha apenas dois anos, não o conheci,
porém, as histórias que permiaram minha infância sobre ele eram que tinha sido
alcoólatra e com isso fazendo minha mãe sofrer muito, e para completar tenho um
filho dependente químico, freqüento o ALANON, me reservo o direito de não
escrever sobre bebida, disse ela.
Aí caiu minha ficha. Lembrei-me que
também as minhas lembranças daquele refrigerante não me eram agradáveis. Como
eu não tinha tido festas na infância, não tive guaraná, e entendi que eles não
me faziam a menor falta.
Nas nossas festas religiosas era
comum fazerem-se leilões para seu custeio. As prendas á serem leiloadas era adquirido
junto ao comércio e as famílias. Também era praxe arrematar-se algo e oferecer
á alguém, essa pessoa que recebeu em retribuição devia arrematar algo parecido,
ou melhor, e oferecer-lhe, isso contribuía para melhorar a arrecadação do
leilão.
Foi em um desses leilões que tive
minha experiência desagradável com o guaraná. Eram duas moças ricas do lugar, -
minhas amigas – não sei se por carinho comigo, ou por pura maldade, - pois
sabiam elas que eu era muito pobre, - arremataram dois guaranás e mandou em
público o leiloeiro me oferecer.
Isso me obrigava a arrematar pelo menos três
guaranás e lhes oferecer, era praxe.
Os arrematei e as ofereci, gastei todo dinheirinho
que tinha para aquela noite de festa. Sem dinheiro para o resto da noite,
disfarcei e fui embora a festa tinha acabado para mim.
Levei comigo aqueles dois guaranás
quente, foi o guaraná mais amargo que já bebi em minha vida. Guardei essa
história triste comigo por todo esse tempo.
Vocês me obrigaram há contá-la. Sofri
novamente aquele momento.
No entanto quero agradecer a nossa
coordenadora que sem querer me deu oportunidade de me livrar de um trauma.
Quando você carrega em seu íntimo alguma coisa,
um fato, uma história que te fez um mal, algo desagradável; somente se livrará
dela quando escrever ou contá-la para alguém.
Hoje eu tive essa oportunidade e fiz as duas
coisas: escrevi e contei para vocês esse fato e assim me livrando do trauma
causado não pelo guaraná, mais sim por aquela ocasião. E, apartir de agora o
guaraná será para mim tão saboroso como tem sido para todos vocês durante toda
sua vida.
ALANON – Entidade de apoio as
famílias de dependentes químicos.
Do livro: ”Fragmentos
de Uma Oficina Acadêmica”
De Amadeu Lucinda.
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