O S N O R D E S T I N O
S N O
R I O D E J A N E I R O
É dito que, o maior reduto de nordestinos
fora do nordeste, é São Paulo. Eu tenho minhas dúvidas. Com certeza quem afirma
isso, não conhece com profundidade certos redutos de nordestinos no Rio de
Janeiro, como Rocinha, Rio das Pedras onde segundo o senso de 2002, 61.6% são
do Ceará. A grande população da Baixada Fluminense estimado em aproximado seis
milhões de habitantes e que mais de 50% são nordestinos ou descendentes. Com
certeza também ainda não foi comer uma buchada, carne de sol com jerimum, comprar
queijo de coalho no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestina; antiga Feira
de São Cristóvão onde esse povo se encontra para dançar um forró e matar a
saudade da terrinha. Não visitou a Praça Serzedelo Correia nos anos cinqüenta e
sessenta aos domingos, onde a colônia do Ceará se reunia, era tão forte o
contingente que a mesma passou há ser conhecida como praça dos cearenses.
Bom, mas isso são detalhes. O que precisa ser
dito é que, cada nordestino aqui presente é um indivíduo único; com sua vida,
com suas raízes e com motivos de ter vindo para cá, o porquê de não ter voltado
já que nunca o esqueceu, já que a saudade lhe acompanha quase sempre por toda
sua vida. Enfim, com sua saga, única e paralela há tantas outras. Cada um
desses indivíduos que estão aqui vindos da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco,
Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão e principalmente do Ceará e da Paraíba,
pois foram desses dois estados que mais migrantes vieram para o sudeste na
década de cinqüenta. Há duas pequenas cidades nesses dois estados: Reriutaba no
Ceará e Cabaceira na Paraíba que mandaram tanta gente aqui para Rio de
Janeiro e principalmente sem nem uma qualificação profissional, vinham quase
sempre para a construção civil.
De Reriutaba saía um caminhão lotado todos os
meses, - um pau-de-arara – e por sair, também chegavam todas as semanas, isso
em menos quantidade. Porém, quase todos os sábados o trem trazia os cariocas,
eram assim que eles eram chamados, mesmo que somente tivesse ficado aqui por
alguns meses. A chegada desses heróis á sua terra natal era uma festa;
quase sempre eles pagavam aos maquinistas das velhas marias-fumaça para
anunciarem suas chegadas, começava as mesmas a apitarem logo depois que saiam
de Sininbú, hoje Amanaiara, isso dependendo do din-din que lhe era dado.
Esses homens construíram os arranha-céu de
Copacabana, Ipanema, Leblon e tantos outros bairros. Hoje eles ainda estão
aqui, não mais na construção civil, mais sim, nos hotéis, restaurantes e etc.
Acredito que, 80% dos garçons cariocas são cearenses.
Em todos os lugares do Rio de Janeiro você
encontra nordestino morando, porém seus grandes redutos são a Rocinha, Rio das
Pedras, São Gonçalo, Niterói e Baixada Fluminense.
Há nordestinos que se destacaram em todos os
setores da sociedade: nas artes, letras, esportes, ciência e tecnologia. Porém,
essa parcela é muito pequena se comparado a grande massa que vive as margens
dos benefícios da sociedade que eles tanto contribuem, são pessoas que cumprem
rigorosamente com seus deveres e pouco sabe de seus direitos.
E é desses que quero contar um pouco de
suas histórias. Eles têm histórias parecidas, vem do mesmo mundo e tiveram a
mesma escola; são em geral honestos e trabalhadores. São pessoas
super-inteligentes, conheço um garçom que nunca cursou um colégio, é autodidata
e poliglota, comunica-se em vários idiomas aprendidos na prática de seu
serviço.
Dificilmente eles fazem independência
financeira, somente alguns poucos; e por motivos que até eles mesmos
desconhecem: é que, eles não se mudaram para cá, vieram apenas ganhar dinheiro
para realizar pequenos sonhos, para fazer o que imaginavam que nunca faria lá:
comprar uma moto, construir uma casa para seus pais. Ele trabalha um ano
inteiro, juntando dinheiro apenas para ir á festa da padroeira de sua cidade.
Ficam nesse ir e vir sem fim, enriquecendo apenas as empresas de ônibus.
Há grande verdade, é que, esses homens de
quem falei, nunca saíram do seu nordeste; mesmo vivendo aqui por muitos anos,
apenas seu físico está aqui, sua alma nunca saiu de lá. Eu tenho um amigo que
vive aqui a mais de cinqüenta anos, é comerciante e até bem sucedido
financeiramente isso se comparado a vida que ele lavava lá, constituiu família,
esposa, filhos, netos; mas ele me confidenciou que. Apesar deste mais de meio
século por aqui, acontece sempre com ele uma coisa muito estranha; depois de um
dia exaustivo de trabalho em sua loja e ao chegar a sua casa tomar banho,
jantar, ler os jornais do dia, ver televisão, vai dormir. E é ai que acontece o
incrível: ao pegar no sono, ele se transporta em sonho para seu Ceará. Começa
seu devaneio pelos Morrinhos Novos, lugar onde ele nascera e vivera sua
infância e adolescência; continuando seu sonho, viaja por: Inhuçu, Carnaubal,
São Benedito, Guaraciaba do Norte e até mesmo pela Macambira lugar onde viveram
seus antepassados. Disse-me ele que, nesse quase meio século vivendo no
sudeste, nunca sonhou em São Paulo , Belo Horizonte, Rio de Janeiro e nem mesmo
em Nova Iguaçu onde mora. Outra coisa também acontece nos sonhos desse meu
amigo: ele vai aos grandes acontecimentos de sua terra, vai aos grandes bailes,
as festas religiosas e sempre muito bem vestido: terno completo, calça, camisa
social, palitó e as vezes até colete e gravata; porém, quando ele olha para os
pés, está descalço.
Isso prova a dificuldade que ele teve em sua
terra para comprar um par de sapatos.
Ainda bem que esse sonho maluco agora deixou
de perseguir esse meu amigo. Ele continua a sonhar com a terrinha, hoje ele
sonha com ela até mesmo acordado, mas, sempre de sapatos; até porque aquele
sonho não tinha mais razão de ser, pois a primeira coisa que o migrante
nordestino fazia ao chegar à cidade maravilhosa naquela época era comprar um
terno azul-marinho ou marrom e um bom par de sapatos: DNB, ou Polar.
Porém, essas pessoas em sua maioria aqui, não
se ressocializam vivem como estrangeiros dentro de seu próprio País. Não sabem
quem os governam e se tratando de governo local, não sabe quem é o prefeito, o
bispo, o juiz, o delegado de polícia, ás vezes nem mesmo o padre de sua
paróquia. Muitas vezes até sabem os nomes dessas personagens; entretanto, nunca
os cumprimentou e nem foi por eles cumprimentados. Vivem a margem dessa
sociedade. Não participa e nem toma conhecimento sequer da festa da padroeira
da paróquia em que reside; quando no seu nordeste era toda a razão de sua vida,
trabalhava o ano todo para poder comprar uma roupa nova para o dia da festa.
Aqui eles não tomam conhecimento dos eventos sociais; até mesmo as três grandes
paixões do carioca: praia, futebol e carnaval. Eles não tomam parte; até torcem
por algum time, - quase sempre o flamengo, - no entanto nunca vão ao Maracanã.
A praia quando podem, vão á uma do interior, de preferência longe de alguma
cidade. No carnaval vão acampar no mato perto de alguma cachoeira onde não ouça
o som dos tamborins e assim eles se acham um pouco dentro da caatinga de seu
nordeste.
Moram quase sempre nas cidades da periferia,
quando tem carro vai passear na Paraíba, RG do Norte, Ceará. Todavia não sabe
dirigir no próprio Rio de Janeiro. Quando tem algo á resolver no centro
da cidade, vai de coletivo ou chama alguém para levá-lo, isso é maioria, porém,
há exceções.
Isso me fez lembrar uma piada que me contou
um comerciante de Bom Jesus do Itabapuana no extremo norte fluminense. (Isso em
plena ditadura militar.) Ele contou que, houve um concurso no Kennel Club, de
Petrópolis; o cão vencedor recusou medalha, ração nobre e tudo que tinha
direito. Então lhe perguntaram o que ele queria, respondeu: quero uma viagem á
Argentina. Mas, por quê? Lá eu posso latir.
Esse migrante, paga impostos, cumpre com suas
obrigações mas, por mais que se esforce sente sempre as margens da sociedade.
Por mais bem vestido que ele esteja, sente-se sempre sem sapatos. E vive sempre
querendo voltar para sua terra nem que seja apenas para ter o direito de latir:
e seu uivo seja ouvido.
Do Livro: “Fragmentos de Uma Oficina
Acadêmica”
De Amadeu Lucinda.
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