NA FOGUEIRA DE SÃO JOÃO
Fazenda Sabonete - Madalena-CE
Fazia
muito tempo que eu não passava um São João nos cafundós do sertão,
assando milho nas brasas da fogueira, ouvindo os clássicos de Luiz
Gonzaga, João Silva e Trio Nordestino. Este ano pude refazer essa trilha
tão marcante em minha infância. Estive na fazenda Sabonete, imediações
de São José da Macaóca, no município de Madalena-CE. Lá encontramos o
Sr. Raimundo Policarpo, pai de minha companheira Juliana, sempre
atencioso e prestativo, a nos ajudar nos preparativos da folia. Milho
verde, baião de dois com queijo, costelas de carneiro e uma boa cerveja
gelada faziam parte do cardápio improvisado. E, de quebra, Policarpo
ainda recitou, de memória, trechos do folheto “O príncipe João Sem Medo e
a Princesa da Ilha dos Diamantes”, de Francisco Sales Areda:
João Sem Medo foi um príncipe
Duma coragem sobrada –
Viajou por muitos bosques,
Lutou com coisa encantada
Brigou, desencantou reinos,
Sem nunca temer a nada.
(...)
Estava ali, contemplando
A beleza da paisagem
Ouvindo o vento embalar
Nas árvores, sobre a folhagem
Nisto chegou um gigante
E lhe falou com coragem:
- Quem és tu? De onde vens?
Perguntou-lhe o monstro preto,
Pisando aqui nesse bosque
Nada de bom lhe prometo
Pois quem passar nesta serra
Não tem perdão, eu derreto!
Bem no peito do gigante
Tinha uma caçoleta
Toda de ouro maciço
Em forma de borboleta
João meteu-lhe a espada
Que ela fez pirueta!
Quando a jóia caiu lá
Disse ele: - Eu me garanto,
E o gigante gritou
Berrando, num triste pranto
- Ah miserável infeliz!
Redobraste o meu encanto.
(...)
Sr. Policarpo
UMA TRAVESSURA JUNINA
Quando
criança, eu passava essa data tão marcante na fazenda Ouro Preto, onde
nasci, rodeado de irmãos, primos e outros companheiros de travessuras.
Montar num cavalinho de tala de carnaúba, e passar correndo junto à
fogueira, queimando as palhas da ponta da cauda do “cavalo” nas
labaredas era uma brincadeira arriscada, mas muito divertida. O rádio
velho da minha avó, sintonizado na Difusora Cristal de Quixeramobim dava
o tom da alegria:
“Eu este ano vou fazer
Uma fogueira no quintal
Estou sozinho sem ninguém
Mas isso não faz mal...
São João mandou me avisar
Pra fazer a sua festa assim
Muita gente a lhe festejar
Com alegria do princípio ao fim
Eu vou fazer como ele mandou
Pra ser mais feliz no amor...”
(S. João no quintal – Trio Nordestino)
O
São João da minha infância, em meados da década de 1970, era um momento
marcante, esperado com grande ansiedade. No alpendre do Zé Miguel,
nosso vizinho, os sanfoneiros Pedrinho e Vicente Araújo (filhos do
Edmundo) entoavam marchinhas juninas, xotes e mazurcas para alegria dos
casais. Chegaram mesmo a fazer uma quadrilha marcada pelo Beca do "véi"
Zé de Sousa. Uma graça! Eu era tão pequeno que não pude participar da
brincadeira, mas lembro bem das saias coloridas dando “rabanadas de fulô
de amor” pertinho do rosto da meninada.
Minhas tias, as que ainda não haviam se casado, faziam advinhações com bacias d'água, faca na bananeira, aliança no copo d'água e outras mais. O objetivo de tais advinhações creio que é desnecessário registrar.
Minhas tias, as que ainda não haviam se casado, faziam advinhações com bacias d'água, faca na bananeira, aliança no copo d'água e outras mais. O objetivo de tais advinhações creio que é desnecessário registrar.
Na
véspera de São João, logo cedo, vovô acionava seu fiel ajudante João
“Lima” (Lima era o sobrenome de meu avô e as pessoas da redondeza
chamavam o João desse jeito por ele ser considerado quase um membro da
família). Pois bem, João era incumbido de cortar lenha verde e fazer
duas cargas que eram transportadas em lombo de jumento até o terreiro da
frente. No final da tarde, vovô arrumava a lenha cuidadosamente e fazia
a fogueira. Meus primos Totonho, Oswaldo e Marquinhos, companheiros
inseparáveis de travessura, tiveram uma idéia bombástica naquele ano de
1976... Botar cabaças verdes na fogueira para escutar o ‘papôco’ das
bichas no meio das labaredas. Por detrás da casa grande, junto ao
chiqueiro das criações, nasceu uma ramada espessa sobre um pé de
mofumbo, carregadinha de cabaças de tamanho e formato variado. Vovô já
tinha projetos para a safra da cabaceira. Com as maiores, ele pretendia
fazer cuias e vasilhas de carregar água para o roçado. As menores, em
formato de “marimba” seriam serradas no fundo e no bico e transformadas
em funis para botar nas ancoretas que seguiam para o açude em lombo de
jegue.
A
ramagem da cabaceira, sobre a moita de mofumbo, mais perecia uma árvore
de natal sobrecarregada de bolas e enfeites. Em pleno mês de junho,
quando a ramagem já começava a ficar ‘zarolha’, aquele pé de planta
carregado de cabaças e pontilhado de flores de mofumbo e melões de São
Caetano era mesmo um espetáculo singular, de encher a vista. Vovô amava
aquele conjunto, mais por sua beleza natural que pela sua utilidade
prática...
Meus
primos, sedentos por uma travessura, não pensaram duas vezes. Munidos
de foices e facões atacaram o pé de cabaceira depois do meio dia, quando
julgavam que o vovô dormia a sua siesta costumeira. Ledo engano... O
velho tinha o ouvido apurado. Os golpes de foice na moita de mofumbo,
associados com o alarido que o Marquinhos costumava fazer, logo chamaram
a sua atenção. Vovô era esquentado, tinha pavio curto, embora tivesse
um coração de manteiga. No momento da raiva, contudo, agia
impetuosamente. Adivinhando o que se passava, saiu deslizando de
mansinho pelo pé da cerca, por detrás do curral, e colheu o trio de
peraltas em pleno flagrante. O chiqueirador (também chamado macaca de
couro) chiou nas canelas da meninada. Totonho, o mais esperto, correu
logo com um saco repleto de cabaças. Oswaldo fez o mesmo, mas o pobre do
Marquinhos acabou pagando o pato. Eu me comprazia, não nego, da aflição
dos meus companheiros de travessuras, pois haviam me deixado de fora da
brincadeira e pretendiam espocar as cabaças sem a minha participação.
Todo menino tem um pouco de sadismo nessas horas.
A noite, depois que as fogueiras foram acesas, o pipocar de cabaças no terreiro de meu tio Zé Oswaldo era um espetáculo à parte. Mesmo com as pernas encalombadas pela surra que levou, Marquinhos era o mais animado jogando cabaças verdes na fogueira de São João. Jamais esqueci daquelas cenas, até porque, no dia seguinte, fiz uns versinhos em sextilha narrando o episódio das cabaças. O folheto tinha um título bem sugestivo: “A grande surra dos tiradores da cabaça”. O saudoso pesquisador Ribamar Lopes, que não sabia do caso, mas que já ouvira falar desse texto, imaginava se tratar de um folheto de duplo sentido. Infelizmente não recordo de um trecho sequer desta obra pioneira...
Tudo isso passou numa velocidade assombrosa deixando somente retalhos de lembrança na memória dos antigos meninos do sertão. Hoje, em plena era do “forró de plástico”, haverá muito pouco o que recordar no futuro. Queimou-se tudo tão rápido quanto as fogueiras e os balões de papel seda que a moçada dos Três Irmãos costumava soltar nas noites juninas. Estrelas artificiais que rivalizavam em brilho com os astros do céu, mas que duravam tão pouco tempo...
A noite, depois que as fogueiras foram acesas, o pipocar de cabaças no terreiro de meu tio Zé Oswaldo era um espetáculo à parte. Mesmo com as pernas encalombadas pela surra que levou, Marquinhos era o mais animado jogando cabaças verdes na fogueira de São João. Jamais esqueci daquelas cenas, até porque, no dia seguinte, fiz uns versinhos em sextilha narrando o episódio das cabaças. O folheto tinha um título bem sugestivo: “A grande surra dos tiradores da cabaça”. O saudoso pesquisador Ribamar Lopes, que não sabia do caso, mas que já ouvira falar desse texto, imaginava se tratar de um folheto de duplo sentido. Infelizmente não recordo de um trecho sequer desta obra pioneira...
Tudo isso passou numa velocidade assombrosa deixando somente retalhos de lembrança na memória dos antigos meninos do sertão. Hoje, em plena era do “forró de plástico”, haverá muito pouco o que recordar no futuro. Queimou-se tudo tão rápido quanto as fogueiras e os balões de papel seda que a moçada dos Três Irmãos costumava soltar nas noites juninas. Estrelas artificiais que rivalizavam em brilho com os astros do céu, mas que duravam tão pouco tempo...
Arievaldo Viana Lima
Nenhum comentário:
Postar um comentário