segunda-feira, 2 de junho de 2014


AS AGRURAS DA DITADURA

Uma vez, já escrevi sobre um comerciante de Bom Jesus do Itabapuana que tentava me explicar o AI. 5 que estava em vigor naquela época.
Agora vou relatar um passeio que fiz a minha terra natal, em 1970 e tinha tudo para ser o mais bonito passeio de minha vida. No entanto tornou-se um grande pesadelo.
Imaginem vocês: eu com trinta e dois anos e indo visitar minha terá, meus pais, meus irmãos, meus amigos. E isto depois de quinze anos sem vê-los e em um carrão último modelo! Era um Esplanada da Crysler, motor V.8, com potencia para 200 km. Horário. Boas roupas, não muito dinheiro, mas o suficiente para ficar um mês, também com meus sogros que eram ricaços do lugar.
Viajaram: eu e meu cunhado - este, como eu, também era comerciante em Nova Iguaçu -, e meu irmão, que era noivo e ia se casar.
A viagem de ida foi uma loucura, fizemos em trinta e sete horas, de Nova Iguaçu a Fortaleza. Se considerarmos que as estradas eram muito ruins e tendo inclusive, um trecho de 75 km de terra, no sul do estado do Ceará.
Chegamos em Fortaleza, terça-feira as vinte e duas horas, uma vez que tínhamos saído de Nova Iguaçu, na segunda-feira, as seis da manha. Fomos para um hotel na Rua Senador Pompeu, e no outro dia depois das dez horas da matina, viajamos com destino a Serra da Ibiapaba. Às treze horas estávamos em Sobral, onde almoçamos e ali acabava o asfalto.
Saímos às quinze horas. As estradas eram tão ruínas e nos que nunca tínhamos dirigido fora do asfalto, nos enrolamos todo e, somente às dezenove horas foi que chegamos ao Araras hoje, Varjóta. Era um cruzamento de estradas e não havia nem uma sinalização e a noite era muito escura. Estávamos perdidos. De repente, apareceu um carro no sentido contrario, dei sinal e o carro parou. Era uma velha RURAL e dela desceu um senhor perguntei-lhe que estrada devia tomar com destino a Ipú. Ele nos ensinou e eu puxei conversa com o desconhecido, como é bem meu estilo.
Perguntei-lhe se morava ali há muito tempo. Ele disse-me que fazia dois anos. Porquê? Perguntou-me ele:
- É que se o senhor morasse aqui há mais tempo com certeza conhecia meu pai.
- E porque eu o conheceria? E quem é seu pai?
Disse-lhe que meu pai viajou por esta cidade durante mais de trinta anos. Somente nos deixou há três anos, portanto quem vive aqui há mais de três anos o conhece. Ele é Antonio Lucinda.
Quando falei o nome de meu pai, o moço que estava ao volante da RURAL, e que até agora nada falara, desceu do carro e dirigiu-se a nos e disse:
- Eu não acredito. Você é o Amadeu. Você é o Amadeu?
- Sim sou eu, o Amadeu! Ele me deu um forte abraço. E continuou falando que agradável surpresa. E eu sem entender nada, fiquei por um instante perplexo, mais uma coisa eu tinha certeza, estava sendo abraçado por um amigo.
Ai ele se identificou, tínhamos sido colega, quando da construção daquela estrada. Ele era gerente de um fornecimento para os flagelados da seca de 1958, e eu de outro, estávamos sempre juntos. Era o Zé Eudis. E aquele senhor, era seu sogro. Nos convidaram à ir para sua casa, que ficava ali perto, mas pedimos que deixassem para outra ocasião.
Pelo Ipú, era a única opção na época. E, ás 21 horas, estávamos em Guaraciaba do Norte.
Lá encontrei muitos amigos, e foi aquela festa. Só vindo sair de lá as duas da madrugada. Enfim, chegamos aos Morrinhos, casa de meus pais, ainda fui deixar meu cunhado na casa de meus sogros, seus pais, quando fui dormir era quase de manhã. Cansado e com umas lourinhas na cuca, por causa daquela farra em Guaraciaba. Ai aconteceu a primeira mancada. Como já era tarde, tirei um pijama da mala, e troquei para dormir. Peguei a roupa que estava vestido, joguei dentro do carro e bati a porta do porta-malas, com as chaves no bolso da calça.
Às nove horas da manhã, acordei com a casa cheia de gente e eu só de pijama. A mala do carro fechada com as chaves dentro.
Tivemos de acionar um vizinho, que concertava máquinas de costura, armas de fogo e relógios. Era o Oscar Pinto. Dei-lhe a missa de fazer uma chave para um carro que ele nunca vira antes e sem molde.
Foi um desafio que ele resolveu, depois de um dia de trabalho e eu de pijama. Ele fundiu o ferro na bigorna e me tirou do sufoco.
Os primeiros dias eram só beleza. Começava a festa de Carnaubal, muito badalada na região e meu sogro tinha uma casa de veraneio naquela cidade, para onde se mudava com a família, nos grandes acontecimentos.
Fomos com eles, passar a festa, naquela pequena cidade. Tudo corria bem, até que na vizinha cidade de São Benedito, houve um crime bárbaro e cruel. Assassinaram um jovem e progressista comerciante, depois de o terem seqüestrado. Era o José Armando, o Zezé que eu conhecia muito bem e lamentei. Eu só não imaginei foi que aquele crime viesse estragar o meu passeio.
 Ninguém sabia quem tinha matado o Zezé, o crime tinha sido praticado com instinto de crueldade, coisas fora de cogitações naquelas paragens tão pacatas. Para a polícia, eu e meu cunhado, por sermos de fora, com aquele carrão, passamos a ser os principais suspeitos.
Três dias depois, tivemos que ir a cidade de Ipú, para receber um dinheiro que minha mulher teria mandado pelo Banco do Brasil. Era a agência mais próxima de onde nós estávamos naquela época.
Saímos de manha e dei duas caronas muito importantes. Era meu sogro que ia comprar formicida em Ipú e o padre José Cardoso, que ia a Guaraciaba, visitar sua mãe que morava lá e aproveitar para trazer água potável, já que a água de Carnaubal era muito poluída. E isso foi motivo de uma briga entre eles dois.
Deixei o padre e segui viagem rumo a Ipú, e ao chegar no alto da Serra, no lugar chamado Várzea do Jiló, tinha uma blitz policial que nos abordaram e depois de verem os documentos meus e do carro, ainda perguntaram para onde eu ia e o que ia fazer. Apesar da operação ser estranha, não me liguei muito, no que estava acontecendo, pensei que fosse praxe do lugar.
Desci a Serra e fui direto ao banco conforme havia anunciado aos policiais na estrada. Em frente ao Banco do Brasil, havia uma árvore muito frondosa, acho que era uma tamarineira, usei sua sombra para deixar o carro, uma vez que o calor é infernal.
Havia um movimento estranho que eu nem liguei, acostumado com estes movimentos, tão comum nas cidades grandes. Nem de longe poderia imaginar que aquele movimento era por minha causa.
Quando chegamos a porta do banco, fomos abordados por um policial militar que confundi com um segurança bancário, praxe recém-criada nas cidades grandes, que nos revistou e que ainda brinquei quando ele revistava meu cunhado, dizendo que ele tinha muitas cócegas.
Nos dirigimos ao balcão do banco, e por ironia, a remessa que minha mulher tinha mandado, ainda não tinha chegado, uma vez que na época as remessas eram mandadas via cartas. Levando assim até mais de uma semana, isso nos tornava ainda mais suspeitos.
Ao sairmos, tinha um verdadeiro batalhão de polícia a nos esperar. Eram dezoito praças, comandados por um jovem oficial, era o major Cláudio. O major dirigiu-se a mim, perguntou se o carro era meu, e avisou que ia mandar dá uma geral no mesmo.
Eu disse que ele ficasse a vontade, fui dando-lhe os documentos sem que me pedisse e os do carro. Ele então me disse que somente os documentos pessoais. Ele os examinaria. Enquanto aos do carro, ele havia solicitado um inspetor de trânsito para examina-los.
O inspetor chegou, depois dos dois terem examinado tudo, inclusive foram tirado os tapetes do carro, e também o porta-malas, e tudo estava em ordem, inclusive os documentos nos foram entregues e já estávamos nos despedindo, quando o Major disse:
- Esqueci de ver o porta-luvas. E mandou que eu o abrisse, uma vez que o mesmo era fechado de chave. Abri e ele encontrou enrolado em uma flanela amarela um revólver sem balas. O major veio em minha direção, e com o revólver na mão, perguntou:
- O que é isto?
Falei, é um revólver.
- Que é um revólver eu sei.
- Desculpe Major, mas eu só respondi o que o senhor me perguntou. Ou o senhor se expressou mal, ou eu não entendi.
- Muito bem, me veja o porte de arma! Disse-me ele.
- Porte de arma, eu não tenho.
Então ele colocou o revólver em seu bolso e disse:
- Este fica comigo.
Pensei, se for somente isso está muito bom. Ele poderia ter me enquadrado por contravenção que era o porte ilegal de arma em vez de crime como é hoje.
Só que nos estávamos em plena ditadura militar, e o famigerado, AI.5 em pleno vigor. E o homem era milico. Portanto, o bom senso aconselhava que o melhor seria não o contrariar, pois ele poderia interpretar de outra maneira, e eu não tinha com quem me queixar.
Eu tenho um raciocínio muito rápido e resolvi apelar para a vaidade daquele jovem oficial, mexendo com seu ego.
Pedi:
- Major, eu gostaria de conversar um pouco com o senhor em particular. Eu estou desarmado, o senhor sabe, fui revistado por seus praças, portanto não vejo inconveniência em afastarmo-nos um pouco da multidão e trocarmos algumas palavras, como homens civilizados que somos. Ele concordou, e nos afastamos um pouco da multidão, falei multidão. Era isso mesmo que havia se formado naquela praça.
Ponderei:
- Major o senhor é um homem com curso superior, penso eu. Senão, não seria um oficial. Portanto estamos em condições de igualdade e de condições de termos uma conversa como homens civilizados que somos. Eu sou comerciante na cidade de Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro. E entreguei-lhe meu cartão de visitas com os dados da firma. Não sou turista, mas sou um filho desta terra, e vim aqui não a passeio, mas por que fui avisado que minha mãe estava doente, e vim busca-la para tratamento no Rio, como faria o senhor ou qualquer um bom filho.
Nunca tive uma arma em toda minha vida. Mas tendo de fazer esta viagem de carro, me convenceram que deveria trazer uma arma, pois a estrada é cheia de surpresas e emboscadas. Peguei esta arma com meu cunhado e ao chegar a primeira coisa que fiz foi tirar-lhe as balas. Primeiro para evitar acidentes, segundo, porque nesta terra eu não preciso de armas.
Eu queria pedir ao senhor que guardasse essa arma e quando eu estiver próximo a viajar, o senhor me devolve para eu entregar ao verdadeiro dono.
Ele disse:
- Vou pensar em sua proposta. E nos despedimos e fui embora. Subi a serra e chegando em Guaraciaba, onde eu havia deixado o padre Cardoso, todos já sabiam do acontecido, inclusive o padre. Como vocês sabem, nas cidades pequenas do interior quem mandam são três pessoas: o padre, o juiz e o prefeito.
O padre Cardoso, disse:
- O que fizeram com vocês foi uma arbitrariedade, e eu não vou admitir. Vamos voltar e vamos resolver este caso. Falei então para o padre que o caso estava sobre controle, eu já tinha falado com o delegado, e depois iria buscar minha arma.
Durante a viagem de Guaraciaba a Carnaubal, foi eu tentando convencer o vigário de que estava tudo sobre controle. E pensei que tinha convencido-o, cheguei a casa de minha sogra, tomei um banho e fui jantar. Quando estava jantando, entrou de casa à dentro o padre e o delegado de polícia daquela cidade.
O padre eu já o conhecia, o delegado não, fui então apresentado ao mesmo, pelo padre. Era o Tenente Atalânio, um oficial da polícia militar do estado do Ceará. O padre disse:
- Este é nosso delegado, e ele vai com você buscar sua arma, seu revólver.
O tenente disse:
- O major Cláudio é meu amigo, mas hierarquicamente é meu superior. Também ele é delegado de Ipú, como eu sou em Carnaubal. Como aqui eu sou a maior autoridade policial, lá é ele, no entanto usando de nossa amizade, vou interferir por você, não sei como ele vai reagir.
Houve um fato naquela viagem, que deve ser citado. Quando íamos na zona rural de Guaraciaba, na estrada que leva à Ipú, no lugar chamado São Félix, ou São João. Em um casebre da beira da estrada, tinha uma pequena bandeira amarela na porta. Aquela bandeira indicava que aquela casa estava sendo visitada por um guarda da malária, chamados na região de Mata-mosquitos. O tenente pediu-me que parasse o carro, e desceu do mesmo e dirigiu-se ao casebre. Depois de conversarem por algum tempo, o tenente e o guarda vieram em direção ao carro, onde eu tinha ficado. O Tenente me apresentou o guarda. Era um senhor de uma certa idade, muito educado e bastante simpático.
Era o Zé Bento, nos despedimos do guarda, seguimos viagem, então o tenente comentou comigo: A humanidade é cruel, imagina você que estão comentando que este guarda é um criminoso. Estão dizendo que foi ele quem matou o Zezé.
Esse homem não mata nem uma mosca. Eu ainda brinquei, uma mosca não, mas um mosquito. Ele não é um mata-mosquito? E fomos embora. Foi descoberto, alguns meses depois, que o Zé Bento era o verdadeiro criminoso e que tinha sido ele o matador do Zezé.
O revólver me foi devolvido, depois, não naquele dia. Mas sim próximo a minha viagem conforme tinha sido acordado com o Major Cláudio.
Muitos dissabores ainda tive por causa daquele crime. Uma semana depois fui a São Benedito, levar minha sogra a modista, para ela dar a prova em um vestido. E a deixei na costureira, e fui até a praça do mercado, e lá encontrei com dois amigos, que me convidaram para tomar uma cerveja. Eram o agente da agência dos correios de Inhuçú, e o dono de uma bomba de gasolina que tinha na Praça Matriz.
Estávamos tomando a cerveja e eu estava de costas para a porta do bar e o agente que estava de frente me disse:
- Amadeu tem alguém lhe chamando. Eu olhei e do outro lado da rua tinha um soldado de polícia acenando com o dedo e me chamando. Com o dedo, também acenei que não iria. Voltei a beber minha cerveja com meus amigos, mas o meu amigo disse-me que o soldado insistia em me chamar.
Eu olhei e ele continuava acenando, ai sai na porta e como a distancia não era muito longe, perguntei-lhe se ele desejava falar comigo. Ele confirmou que sim, então lhe disse que a distancia era a mesma e como o interessado era ele, que se dirigisse a mim.
Ele veio e perguntou-me se aquele carro era meu, e que se em caso afirmativo, queria ver os documentos do mesmo, e os meus.
Falei:
- Amigo, hoje eu não vou mais mostrar meus documentos, não. O senhor procura o Tenente Atalânio, que está ai no armazém do lado, e o diga que o Amadeu não quis se identificar.
Ele, surpreso, falou:
- O senhor conhece o Tenente Atalânio?
- Não só conheço o Tenente, como também conheço você! Respondi: você é o Jurandi.
- Sim, eu sou o Jurandi. E você quem é? expliquei-lhe, que tínhamos sido amigos de infância e que até andar de bicicleta tínhamos aprendido juntos. Falei de meu pai, que ele conhecia muito bem, também lhe falei de sua família que eu a conhecia. E acabamos colocando o Jurandi, em nossa roda e fazendo parte de nossa cerveja.
Alguns dias depois, fui à cidade de Ipú. E como depôs daqueles episódios, eu já me tornara bastante conhecido naquela urbe, e estava na Praça do Mercado, quando um cabo da polícia militar, veio falar comigo e disse: Seu Amadeu, o Major Cláudio pediu que, quando o senhor viesse aqui, fosse até a delegacia, que ele queria devolver sua arma.
Fui até a delegacia e o Major me recebeu muito bem. Começamos a conversar, ele me perguntou como era a vida no Rio de Janeiro e qual era o relacionamento da polícia com a sociedade. Enfim, estávamos trocando uma prosa. A conversa era afável e amistosa. Contávamos até piadas, riamos, como se faz sempre que se encontra um amigo.
É isso mesmo, Major Cláudio, a esta altura, já era meu amigo.
Nesse momento entra, no gabinete do delegado, um sujeito e sem nos cumprimentar foi logo dizendo:
- Major Cláudio, esse rapaz é o Amadeu. E o senhor fez muito mal em ter tomado sua arma. Sugiro-lhe que a devolva, porque eu sou vereador em Guaraciaba, terra do Amadeu. E ele é homem de bem. Eu sou amigo do secretário de segurança do Estado do Ceará e, se o senhor não devolvê-lo, eu vou à Fortaleza, falo com ele e ele manda o senhor devolvê-la.
O Major enrubesceu e dirigiu a palavra a mim, dizendo:
- Seu Amadeu, eu não sabia que o senhor tivesse tantos padrinhos!
E olhando para o homem, disse:
- Quanto ao senhor, perdestes muito tempo vindo aqui. O senhor deveria ter ido direto ao secretário de segurança e assim já estaria aqui a ordem que o senhor garante que conseguiria. Também queria lembrar-lhe que, quando fui nomeado pelo seu amigo delegado desta cidade, ele me delegou poderes absolutos. Ele mesmo, se quiser alguma coisa de ordem policial, ele virá me pedir. Eu vou dar um banho de solução neste revólver, que ele nunca mais será arma.
E o sujeito disse aquelas barbaridades e foi embora. Eu nem sei se ele era vereador. Uma coisa é certa: não era meu conhecido.
Quando ele saiu o Major estava muito nervoso. Então lhe falei:
- Major, o senhor não vai alterar nosso combinado por causa de uma pessoa que nem se quer tem o mínimo de educação. E também não dei procuração a ninguém para falar por mim. Também eu não vim aqui buscar a arma. Eu vim aqui, sim, cumprimentar o amigo. Também confesso que fiquei constrangido. Peço-lhe desculpa pelo incidente que, no qual, não tive culpa. Quanto a arma, já estávamos acordados que só viria buscá-la quando estivesse prestes a viajar.
O Major me entendeu e, quando foi próximo a minha viagem, ele me devolveu.
Depois daquele passeio desastroso, por causa daquele crime que eu não tinha nada a ver e que muitos dissabores tinham me causado, só me restava uma coisa a fazer: era me lembrar que o que tinha ido fazer era buscar minha mãe que estava doente.
Falei para meus botões:
- O Ceará, onde eu vivi os melhores dias da minha vida, vai ter que esperar outro passeio.
Arrumei minhas malas e conversei com meus pais e, como já estava decidido, viajamos eu, meu cunhado e meus pais. Partimos. Fizemos o trajeto convencional da época. Em Tianguá, pegamos a BR.222, no sentido de Sobral, e em Fortaleza pegamos a BR!!¨, a velha “Transnordestina”.
E, já no segundo dia de viagem, próximo a Feira de Sant’Ana, no Estado da Bahia, tinha uma blitz policial. Estavam parando todo mundo. Revistando carros, passageiros e os cambaus.
Do meu lado, parou um aero-willis verde, com um só passageiro. E eu vi uma arma de grosso calibre sob o banco do mesmo e outra coisa me chamou a atenção. Foi que, nem o carro, nem o condutor e nem a arma ficaram presas.
O condutor ficou conversando com os policiais e eu fui embora. Ao chegar na Feira de Sant’Ana, parei em um sinal. Ele parou do meu lado e me perguntou:
- Como faço para pegar a estrada para o Rio de Janeiro?
Disse-lhe que também não sabia e que estava me orientando pelas placas. Ele me perguntou se podia me seguir, uma vez que não conhecia na alai. O sinal abriu e eu arranquei sem que pudesse lhe dar resposta.
Ao sair da cidade, parei no primeiro posto e ele logo encostou. Disse-me que is viajar para o sul e que não conhecia nada, por isso, se eu não me incomodasse, gostaria de viajar conosco.
Falei-lhe que a estrada era pública e que eu não tinha nada contra. Ele foi logo à lanchonete do posto e trouxe café para o meu pai e água-de-coco para a minha mãe e, depois, saímos. Logo adiante furou um pneu do meu carro. Quando eu desci, ele já estava colocando o macaco de seu carro e levantando o meu.
Algumas horas depois, paramos em uma lanchonete de beira de estrada e ele já foi trazendo lanche para meus pais. O carro furou mais alguns pneus aquela tarde e, logo que isso acontecia, ele já estava ajudando e trazendo lanche para meus pais.
Este primeiro encontro acontecera pouco mais de meio dia, já era quatro da tarde e ele sempre nos ajudando. Foi quando minha mãe, com sua inocência, falou:
- Meu filho é tão bom, é por isso que Deus ajuda, e está sempre arrumando amigos. Vejam este rapaz, conheceu ele agora e já parecem velhos amigos.
- Mãe, eu não estou gostando nem um pouco desta companhia. O santo, quando vê muita esmola, desconfia e não faz milagre. È que este rapaz é gentil demais para meu gosto. Mas para não assustá-los, não falei da arma que tinha visto.
Então meu cunhado sugeriu que nós déssemos uma boa esticada de uma vez, que meu carro dava até duzentos quilômetros por hora e que saíssemos da estrada e deixássemos ele ir embora. Não concordei, dizendo:
- Não tenho motivo nenhum para me esconder. O que vou fazer é, quando chegarmos a Jiquié ou em Vitória da Conquista, pedir à policia o identificar.
O carro continuava furando pneus… (disseram até os gozadores da época que eu só cheguei no Rio de Janeiro com as câmaras de ar!) E já era lá pelas duas horas da noite e estávamos chegando em Vitória da conquista, onde eu deveria acionar a polícia, quando uma vez mais, o pneu furou.
Ele me questionou:
- Amadeu, este carro é seu:
Disse lhe que sim. Então ele disse:
- Amadeu, você está transportando o bem mais precioso que você tem, que é seus pais. Este carro é seu e estes pneus não valem mais nada. Compre quatro pneus novos e acabe de uma vez por todas com esta agonia.
Eu disse-lhe:
Olha aqui, meu amigo, NÃO SOU TURISTA! E ninguém melhor do que eu para saber o quanto é preciosa esta carga que estou transportando; são meus pais. Acontece que fui ao Ceará buscar minha mãe, que está doente e estou pedindo a Deus para que o dinheiro dê, ao menos, para a gasolina até o Rio de Janeiro. Se eu tivesse dinheiro, não precisava você me aconselhar; seria eu o primeiro a sanar essa necessidade.
Ele me olhou e disse:
- Você não tem dinheiro para comprar quatro pneus?
Respondi que não. E perguntei-lhe se era algum crime não ter dinheiro para comprar quatro pneus. Ele respondeu-me:
- Claro que não. Crime é eu lhe seguir. E você não é a pessoa que estou procurando. A pessoa que estou procurando cometeu um crime no interior do Estado do Ceará e está fugindo com trinta milhões de cruzeiros… e você não tem dinheiro nem para pôr pneu no carro!
Neste momento, ele se identificou. Era um agente da polícia federal, lotado em Natal, RN.
Eu disse-lhe:
- Você não podia ter me identificado em Feira de Sant’Ana, poupando este desgaste e evitando este desperdício de combustível?
Ele me disse que a ordem que tinha era de me seguir até o Rio de Janeiro, até que eu desse uma mancada e, então, me prenderia.
É uma história absurda num estado de democracia. Mas isso aconteceu em 1970, em plena Ditadura Militar. E estava em vigor com toda força o famigerado: AI-5. Não esqueçam.
Do livro: “O Anjo da Noite e Outros Contos” de  Amadeu Lucinda.

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